Tropas da NATO na Ucrânia?

Os países da NATO estão a discutir formas de intervenção militar directa na Ucrânia. O Kremlin alerta para a possibilidade de uma guerra em grande escala

Tomasz Konicz, 04.03.2024

O primeiro-ministro eslovaco Robert Fico abandonou toda a contenção diplomática na segunda-feira. Pouco antes da cimeira europeia em Paris, o chefe de governo, considerado pró-russo, declarou que vários Estados da NATO e da União Europeia estavam a discutir medidas para uma intervenção militar directa na Ucrânia.1 O envio de forças militares ocidentais para o país em guerra deverá ter lugar numa „base bilateral“. Isto foi entretanto confirmado pelo Presidente polaco Duda, que numa declaração inicial descreveu a „segurança das fronteiras“ e a „desminagem“ como as tarefas das tropas de intervenção ocidentais na Ucrânia.2

A palavra „bilateral“ é crucial neste contexto. As tropas da NATO e da UE não interviriam legalmente sob o guarda-chuva protector da NATO, mas com base em acordos de assistência entre Estados. Isto invalidaria a garantia de assistência mútua da NATO, que obriga toda a aliança militar a responder militarmente em caso de ataques a Estados individuais da NATO. Por meio desta regulamentação legal pretende-se impedir o automatismo da assistência em caso de conflitos militares directos entre a Rússia e os potenciais países de intervenção ocidentais, que conduziria inevitavelmente a uma guerra mundial, incluindo uma troca de golpes nucleares.

É precisamente a forma de acordos bilaterais de assistência mútua, que está actualmente a ser discutida na NATO como base legal para a intervenção, que torna possível um primeiro passo para um confronto militar directo entre tropas russas e ocidentais. Ao mesmo tempo, os Estados ocidentais em causa perderiam a protecção da NATO neste conflito – e isto numa altura em que a aliança militar ocidental já enfrenta um futuro incerto, devido a uma possível vitória de Trump nos EUA.

Neste contexto, a Polónia é vista como um candidato seguro para um tal passo de escalada. Está actualmente em curso uma campanha de recrutamento no país oriental da NATO, na qual centenas de milhares de cidadãos estão a ser convocados para o alistamento militar.3 Os cidadãos nascidos entre 1997 e 2005 devem comparecer perante comissões de selecção para verificar a sua aptidão para o serviço militar. A recusa em fazê-lo pode resultar em multas ou em ser procurado pela polícia. O Presidente francês Macron também já não quis excluir o envio de tropas terrestres para a Ucrânia. Embora não exista actualmente „nenhum consenso“ sobre a utilização de tropas terrestres, Macron afirmou, a 27 de fevereiro, que a Europa deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance „para impedir que a Rússia ganhe esta guerra“.4

A resposta do Kremlin a estes avanços surgiu poucas horas depois: uma guerra entre a NATO e a Rússia seria „inevitável“ se os aliados ocidentais de Kiev interviessem com tropas terrestres na Ucrânia, declarou o porta-voz do Kremlin, Peskov, a 27 de fevereiro. O simples facto de algo assim estar a ser discutido publicamente no Ocidente é um „elemento novo e muito importante“ para Moscovo.5 No entanto, isto contradiz os anos de propaganda de guerra do Kremlin, segundo a qual a Rússia já está, de facto, a lutar contra toda a NATO na Ucrânia.

O pano de fundo dos planos de intervenção cada vez mais concretos são os sinais cada vez mais claros da derrota da Ucrânia, que não está à altura do potencial militar muito maior da Rússia a longo prazo.6 Kiev perdeu a oportunidade de negociar um cessar-fogo relativamente favorável há muito tempo – perdeu-a no final de 2022, quando a Rússia foi forçada a retirar-se de Kherson.7 Desde então a máquina militar russa tem ganho cada vez mais vantagem na impiedosa guerra de desgaste. Quanto mais tempo durar a guerra, menos provável parece ser que se chegue a um acordo de paz, após o qual continuaria a existir uma Ucrânia independente.

A ténue linha vermelha

A intervenção directa do Ocidente no país devastado pela guerra representa uma linha vermelha em vários aspectos. Torna muito provável uma guerra nuclear em grande escala entre a NATO e a Rússia, o que já antes era bem possível. O exército russo pode ser derrotado pelas tropas da NATO, a máquina militar russa continua a ser ineficaz, corrupta e pouco disposta a inovar. O excedente russo de material na guerra é o resultado de acordos com a Coreia do Norte e o Irão e da passagem da Rússia para a produção de guerra,8 que o Ocidente evita.

O exército russo poderia ser derrotado pelas tropas ocidentais numa guerra convencional – o que torna provável a sua escalada para uma guerra nuclear – desencadeada pela utilização de armas nucleares tácticas. E, mais uma vez, é improvável que a NATO fique quieta se forem utilizadas armas nucleares tácticas contra tropas ocidentais na Ucrânia.

As perdas da Rússia – que, aparentemente, ainda não é capaz de uma condução da guerra integrada – ainda são muito elevadas, mas o maior potencial quantitativo da Federação Russa está a afirmar-se lentamente na guerra. A Ucrânia está a ficar sem „material humano“ e sem recursos para a frente, o que leva a uma preponderância crescente de Moscovo, por exemplo, na artilharia e no apoio aéreo. Na sequência da derrota do exército ucraniano em Avdiivka,9 um subúrbio de Donetsk que foi transformado numa fortaleza, o avanço russo parece estar a ganhar ímpeto. Moscovo ainda tem fortes reservas de centenas de milhares de soldados disponíveis para uma próxima ofensiva na primavera ou no verão. Cada nova linha de defesa que as tropas de Kiev estabelecem é inevitavelmente mais fraca do que a última que tiveram de abandonar.

O facto é, portanto, que só uma intervenção militar directa do Ocidente pode impedir a vitória da Rússia. Esta guerra do imperialismo de crise10 – na qual a Ucrânia está efectivamente a ser esmagada entre o Ocidente e o Leste11 – já não pode ter um desfecho „bom“, razoavelmente progressista. Uma vitória russa não só porá fim à soberania da Ucrânia, como também dará um novo impulso às forças autoritárias e fascistas de toda a Europa, como a AfD. Uma derrota russa – que só seria possível no contexto de uma intervenção ocidental – acabará quase de certeza numa troca de golpes nucleares. A única opção viável é um „acordo sujo“ entre o Leste e o Ocidente, que dividiria o devastado país de fronteira.

O que está em jogo na Ucrânia é demasiado elevado para que ambas as partes – o Ocidente e o Kremlin – aceitem simplesmente a derrota. A guerra de agressão da Rússia resultou de uma posição de fraqueza geopolítica, à medida que a influência de Moscovo no seu „quintal“ pós-soviético, em crise e socialmente perturbado, se desmoronava cada vez mais.12 Para o Kremlin, está tudo em jogo na Ucrânia – trata-se de manter a posição da Rússia como potência imperial. Mas, entretanto, os riscos para o Ocidente também se tornaram cada vez mais elevados. Uma vitória russa desestabilizaria rapidamente o sistema de alianças ocidentais, particularmente na Europa, onde a estagnação económica e a agitação social estão a alastrar.

A Rússia e o Ocidente não se podem dar ao luxo de perder a Ucrânia em nome da sua estabilidade interna – é isso que torna esta escalada tão perigosa. No entanto, a linha vermelha que pode ser ultrapassada aqui também se aplica às forças progressistas. O apoio à legítima guerra de defesa da Ucrânia ao abrigo do direito internacional, incluindo a ajuda militar, tem de cessar no caso de uma intervenção militar directa por parte do Ocidente – a muito provável espiral de escalada conduzirá aqui a uma troca de golpes nucleares.

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1 https://www.reuters.com/world/europe/slovak-pm-says-some-western-states-consider-bilateral-deals-send-troops-ukraine-2024-02-26/

2 https://twitter.com/MurzynfrogXXX/status/1762278676006154482

3 https://www.tag24.de/thema/aus-aller-welt/polen/angst-vor-krieg-maenner-und-frauen-in-polen-muessen-zur-musterung-3081619

4 https://www.spiegel.de/ausland/ukraine-emmanuel-macron-will-einsatz-von-bodentruppen-nicht-ausschliessen-a-d62fe80b-2961-4977-979b-7bab6a72c7d1

5 https://www.independent.co.uk/news/world/europe/ukraine-war-russia-putin-nato-military-troops-live-b2503174.html

6 https://www.konicz.info/2023/12/14/putins-rechnung-geht-auf/. Em português: http://obeco-online.org/tomasz_konicz44.htm

7 https://www.konicz.info/2023/01/19/kiews-verpasste-chance/ Em português: https://www.konicz.info/2023/01/21/a-oportunidade-perdida-de-kiev/

8 https://www.konicz.info/2023/08/26/putins-kriegswirtschaft/ Em português: https://www.konicz.info/2023/08/27/a-economia-de-guerra-de-putin/

9 https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_Avdiivka_(2022%E2%80%932024)

10 https://www.konicz.info/2022/06/23/was-ist-krisenimperialismus/ Em português: https://www.konicz.info/2022/07/06/o-que-e-imperialismo-de-crise/

11 https://www.konicz.info/2022/06/20/zerrissen-zwischen-ost-und-west/ Em português: https://www.konicz.info/2022/07/06/dividida-entre-leste-e-oeste/

12 https://www.akweb.de/politik/russland-ukraine-konflikt-kampf-auf-der-titanic/

Original “Natotruppen in die Ukraine? (Update)” in konicz.info, 27.02.2024. Tradução de Boaventura Antunes

Natotruppen in die Ukraine? (Update)
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