O rolo compressor das exportações em ponto morto

O modelo económico alemão está a atingir os seus limites na nova fase de crise caracterizada pelo proteccionismo e pela desglobalização

31.01.2024, Tomasz Konicz

Alemanha, o teu nome é estagnação. As perspectivas económicas para o multicampeão mundial das exportações continuam sombrias em 2024. Depois da Comissão Europeia, que apenas previu um crescimento de 0,8% para a Alemanha este ano, também o Bundesbank teve de rever significativamente em baixa, em meados de dezembro, as suas previsões económicas para o ano em curso: de 1,2% para apenas 0,4%.1 Para 2023, o Bundesbank previu uma contracção de 0,1% do produto interno bruto no final do ano, enquanto o Conselho Alemão de Peritos Económicos (Die „Wirtschaftsweisen“) esperava uma contracção de 0,4 pontos percentuais.

Num comunicado de imprensa,2 o Bundesbank responsabilizou os crescentes choques da crise mundial pela estagnação da economia alemã, que se manifestou em „perdas de poder de compra na sequência da crise energética“, nos efeitos amortecedores das „tensões e crises geopolíticas“ e na menor „dinâmica de crescimento da economia mundial“. Segundo o Spiegel-Online, o Fundo Monetário Internacional (FMI) considera mesmo que a Alemanha é a „única grande economia do mundo“ a permanecer em recessão este ano.3 A orientação da indústria para a exportação, que caracteriza o „modelo empresarial“ alemão e tem sido a base de um desenvolvimento económico acima da média, está agora a deixar a Alemanha na estagnação e na recessão.

O ponto morto do rolo compressor das exportações alemãs

Este ano os números concretos das exportações da indústria exportadora habituada ao sucesso são de facto preocupantes. Em setembro de 2023 a Alemanha registou um „declínio surpreendentemente acentuado das exportações“ (Tagesschau),4 que caíram 2,4 por cento em relação a agosto, para 126,5 mil milhões de euros. A crise no sector das exportações torna-se clara numa comparação anual, uma vez que as exportações alemãs caíram 7,5% em comparação com setembro de 2022. A tendência parece ter vindo para ficar: Em outubro de 2023, as exportações voltaram a cair ligeiramente, para 126,4 mil milhões – contra 137,5 mil milhões de euros no mesmo mês do ano passado.5 As vendas de bens para os países-alvo mais importantes das exportações alemãs, os EUA e a China, caíram visivelmente. As exportações para os Estados Unidos caíram 4,0% para 12,8 mil milhões em setembro passado, enquanto as exportações para a China, que está em crise, caíram 7,3% para 7,7 mil milhões (em ambos os casos em comparação mensal). Em contrapartida, o declínio das exportações alemãs para os países da UE foi relativamente suave, de 2,1%.

O Bundesbank também não vê sinais de uma „recuperação do comércio externo“ nos próximos meses, que deverá manter-se na sua „fase fraca“. Com esta desaceleração prolongada, o modelo económico centrado nas exportações, implementado no início do século XXI em resposta às crescentes tendências de crise económica na República Federal, está a atingir os seus limites. A Agenda de Schröder de 2010, com a legislação laboral Hartz IV, levou à formação de um vasto sector de baixos salários e a uma evolução particularmente favorável dos custos unitários do trabalho (salários em relação ao custo de um produto) na indústria de exportação alemã altamente produtiva,6 que conseguiu alcançar um sucesso de exportação cada vez maior. Os números7 falam por si: o valor das exportações alemãs passou de 510 mil milhões de euros em 1999, para 984 mil milhões em 2008 e para 1593 mil milhões em 2022.

A era da globalização neoliberal impulsionada pelo mercado financeiro, na qual a maioria dos países industrializados formou bolhas especulativas e acumulou montanhas de dívidas cada vez maiores, permitiu assim triplicar as exportações alemãs. O factor decisivo aqui, no entanto, foram os excedentes comerciais da Alemanha, que não existiam na década de 1990,8 aumentando de 59 mil milhões de euros quando o euro foi introduzido em 2000 para 247 mil milhões de euros em 2017 (em 2021 ainda eram 175 mil milhões de euros). Com esta chamada política de „empobrecer o vizinho“,9 a Alemanha exportou efectivamente dívida e desindustrializou os países alvo destas ofensivas de exportação, o que colocou a República Federal em posição de ter um orçamento equilibrado e uma dívida baixa numa crise sistémica de sobreprodução com a dívida global a aumentar mais rapidamente do que a produção económica global.10 Até ao surto de crise de 2008 e à subsequente crise do euro, o campeão mundial dos excedentes de exportação arruinou sobretudo a zona euro, que foi então submetida a um programa de austeridade draconiano pelo então Ministro das Finanças Schäuble. Seguiu-se uma reorientação do rolo compressor das exportações alemãs para os EUA e o Sudeste Asiático, incluindo a China.

E não foi apenas o sucesso da estratégia de exportação alemã que selou o seu actual fracasso. Confrontados com as consequências da desindustrialização em grande escala, do rebentamento de bolhas especulativas e da erosão da classe média, os esforços proteccionistas estão a ganhar terreno em muitos países centrais – especialmente nos EUA, onde a administração Biden está efectivamente a continuar o proteccionismo de Trump. As tensões resultantes da política comercial entre Washington e Bruxelas não puderam ser resolvidas mesmo durante as novas negociações no início de Dezembro.11 Ao mesmo tempo estão a surgir tendências para a desglobalização, com os EUA em particular a procurar estabelecer cadeias de produção regionais – com foco no México.12 A „nação exportadora“ República Federal da Alemanha também está a enfrentar um beco sem saída porque a desglobalização vai aumentar em consequência da crise. O sistema mundial está a entrar numa fase semelhante à dos anos 30, quando os países industrializados reagiram às consequências da crise económica mundial de 1929 com proteccionismo.

Ironicamente, na recessão geral, os excedentes de exportação alemães (de 15,4 mil milhões de euros em setembro para 17,3 mil milhões em outubro), que tinham quase desaparecido em 2022,13 estão a recuperar, uma vez que a procura interna na Alemanha está a cair ainda mais do que as exportações. O segundo grande factor de crise é literalmente caseiro: é o sector imobiliário alemão „sensível aos juros“ (FMI),14 que está numa crise grave depois de os bancos centrais terem sido obrigados a aumentar as taxas de juro para combater a inflação. Entre 2015 e o início de 2022, os preços dos imóveis residenciais na Alemanha aumentaram 66%, enquanto a actividade de construção aumentou 16%. No entanto o boom imobiliário alimentado por taxas de juro zero está agora a perder força. De facto a grande bolha imobiliária alemã, que surgiu na era do boom neoliberal das exportações, está actualmente a rebentar, com consequências de grande alcance para a economia, devido à quebra da actividade de construção que lhe está associada. De acordo com o Financial Times (FT), os preços das casas em toda a Alemanha caíram dez por cento no espaço de um ano, enquanto os preços das matérias-primas subiram 40 por cento durante a pandemia.15

„Tempestade perfeita“

No auge do boom da construção, os bancos na Alemanha tinham „práticas de empréstimo laxistas“ (FT), concedendo empréstimos de mais de 80% do valor – então crescente – dos edifícios,16 mas agora que os preços estão a cair, isto pode levar a um excesso de créditos malparados. A subida das taxas de juro pelo Banco Central Europeu (BCE), que fez passar a inflação de quase 9% para 3,2%, encareceu o crédito imobiliário e levou ao cancelamento em massa dos contratos de construção. De acordo com o FT, cerca de 22% de todas as empresas de construção alemãs declararam ter cancelado contratos em outubro, o que representa a percentagem mais elevada desde o início do inquérito, em 1991. Uma onda de falências está a assolar o sector imobiliário alemão, o que fez com que as insolvências aumentassem 42% esse ano (janeiro a outubro) em comparação com o mesmo período do ano anterior. Em contrapartida, as falências no sector da construção aumentaram „apenas“ 8% em 2022.17 Ao mesmo tempo as rendas continuam elevadas devido à falta de habitação, ao abrandamento da actividade de construção e ao aumento dos custos dos empréstimos.

A „tempestade perfeita“ no sector imobiliário, que representou cinco por cento do PIB alemão em 2021, está a contribuir para as más perspectivas económicas, o que fez com que „a Alemanha caísse para o fundo do ranking do FMI“, alertou o FT. E não são apenas as empresas ferroviárias que estão a entrar em colapso devido à luta contra a inflação. A interacção entre as taxas de juro elevadas e o fim dos programas de estímulo económico e de ajuda na pandemia atingiu duramente muitas indústrias nos Estados Unidos e na União Europeia, noticiou o FT em meados de Dezembro,18 com a onda de falências na Alemanha a aumentar 25% (janeiro a setembro de 2023), muito mais do que na União Europeia, onde as insolvências das empresas aumentaram 13% no mesmo período.

O combate bem-sucedido à inflação, tal como actualmente implementado pelo BCE, só pode, portanto, ser alcançado à custa de quedas económicas e/ou estagnação, o que aponta para o estabelecimento de uma tendência permanente para a estagflação19 – em que a economia oscila entre fases de inflação e estagnação. A política económica burguesa encontra-se numa verdadeira armadilha de crise, na qual a economia só pode reanimar-se à custa do aumento da inflação através de taxas de juro baixas e pacotes de estímulo – ou passa a combater a inflação através de uma política monetária restritiva, que desestabiliza a esfera financeira e conduz a economia à estagnação ou recessão. E as perspectivas alemãs continuam a ser sombrias: de acordo com os últimos números, o Índice de Gestores de Compras,20 um importante indicador económico precoce, manteve-se em terreno negativo, com 46,7% em meados de dezembro, ou seja, abaixo dos 50 pontos, o que aponta para uma recessão. Em novembro, este indicador principal era ligeiramente mais elevado, com 47,8 pontos.

O „modelo de negócios“ alemão baseado na exportação foi criado no início do século XXI como reacção à crise por parte das elites funcionais locais. É um produto da era da administração neoliberal da crise, bem como da globalização, dos mercados financeiros desenfreados e da correspondente economia das bolhas a funcionar a todo o vapor. O „campeão mundial das exportações“ estava muito bem adaptado a esta situação, na medida em que a sua indústria exportadora, através dos seus excedentes comerciais, exportava a dívida, o desemprego e a desindustrialização resultantes do processo de crise. Agora os limites externos e internos do capital, a crise climática e a crise económica, parecem interagir cada vez mais fortemente. A nova fase da crise, que assume contornos cada vez mais claros na sequência da pandemia, da guerra na Ucrânia e do recente aumento da inflação, caracteriza-se pelo protecionismo, pela desglobalização, pela escassez de recursos, por choques externos perturbadores (guerras, fenómenos climáticos extremos) e pela tendência secular para a estagflação, em que se verificará a desvalorização do valor.

A grande vantagem competitiva que a Alemanha desenvolveu durante o neoliberalismo, a forte fixação da economia nas exportações, está assim a transformar-se numa desvantagem. A grande reviravolta protecionista que Washington está a levar a cabo no meio de crises crescentes21 está a alimentar uma retoma instável nos EUA, que é acompanhada por um rápido aumento da actividade de investimento,22 enquanto as economias com uma anterior fixação nas exportações e nos excedentes comerciais tendem a sofrer mais com as barreiras comerciais e os elevados preços das matérias-primas e da energia.

A minha última publicação: „O fascismo no século XXI. Esboços da barbárie iminente“: https://www.konicz.info/2024/01/13/e-book-faschismus-im-21-jahrhundert/

1 https://www.spiegel.de/wirtschaft/unternehmen/bundesbank-reduziert-wachstumsprognose-fuer-2024-deutlich-a-ea6ff6a0-f370-4be2-8e8b-719991f157dc

2 https://www.bmwk.de/Redaktion/DE/Pressemitteilungen/Wirtschaftliche-Lage/2023/20231213-die-wirtschaftliche-lage-in-deutschland-im-dezember-2023.html

3 https://www.spiegel.de/wirtschaft/iwf-prognose-zur-weltwirtschaft-deutschland-faellt-2023-noch-tiefer-in-die-rezession-a-5bc4b90a-5770-492c-8edb-3242f4a13adb

4 https://www.tagesschau.de/wirtschaft/konjunktur/aussenhandel-export-import-china-usa-deutschland-100.html

5 https://de.statista.com/statistik/daten/studie/151631/umfrage/deutsche-exporte-und-importe/

6 https://www.konicz.info/2013/03/15/happy-birthday-schweinesystem/

7 https://de.statista.com/statistik/daten/studie/165463/umfrage/deutsche-exporte-wert-jahreszahlen/

8 https://www.destatis.de/DE/Presse/Pressemitteilungen/2023/02/PD23_064_51.html

9 https://de.wikipedia.org/wiki/Beggar-thy-Neighbor-Politik

10 https://www.imf.org/en/Blogs/Articles/2023/09/13/global-debt-is-returning-to-its-rising-trend

11 https://www.br.de/nachrichten/deutschland-welt/kein-durchbruch-bei-handelsstreit-zwischen-eu-und-usa,TPBXhTH

12 https://www.konicz.info/2023/11/20/neue-kapitalistische-naehe-2-0/. Em Português: https://www.konicz.info/2023/11/16/a-nova-proximidade-capitalista/

13 https://www.konicz.info/2022/07/26/schluss-mit-ueberschuss/ https://www.destatis.de/DE/Presse/Pressemitteilungen/2023/02/PD23_064_51.html

14 https://www.kontextwochenzeitung.de/wirtschaft/644/billigere-immobilien-teurere-mieten-8988.html

15 https://www.ft.com/content/b60fa38a-9cca-4170-a9f7-a0826b9ca74b

16 https://finanzmarktwelt.de/immobilien-nirgends-in-europa-ist-die-krise-groesser-als-hierzulande-293093/

17 https://www.merkur.de/wirtschaft/pleiten-im-bau-und-immobiliensektor-stark-angestiegen-zr-92678197.html

18 https://www.ft.com/content/a02cb631-8ae4-4ac2-be45-edfa776ed75f?emailId=329850e3-768b-4262-aa7a-0df8a05c0d8a&

19 https://www.konicz.info/2021/11/16/zurueck-zur-stagflation/. Em Português: https://www.konicz.info/2021/11/18/de-volta-a-estagflacao/

20 https://finanzmarktwelt.de/deutschland-bleibt-in-rezession-immer-mehr-firmen-mit-geschaeftsrueckgang-preise-steigen-295159/

21 https://jungle.world/artikel/2023/34/versuch-krisenbewaeltigung-bidenomics-neoliberalismus-bidens-improvisierter-masterplan

22 https://fred.stlouisfed.org/series/C307RC1Q027SBEA

Original “Leerlauf der Exportdampfwalze” em konicz.info, 25.01.2024. Antes publicado em “akweb.de”, 16.01.2024. Tradução de Boaventura Antunes

Leerlauf der Exportdampfwalze
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