Ucrânia: escalada ou capitulação?

A Ucrânia está a perder a guerra. Irá o Ocidente intervir para impedir uma vitória estratégica da Rússia – mesmo com a ameaça de uma guerra nuclear?

Tomasz Konicz

As próximas semanas vão decidir o rumo da guerra na Ucrânia. É agora claro para a maioria dos observadores que o exército ucraniano não será capaz de resistir ao ataque da máquina militar russa por muito mais tempo (ver: O cálculo de Putin está a resultar).1 A Rússia tem muito mais recursos militares, industriais e humanos à sua disposição, permitindo ao Kremlin travar uma promissora guerra de desgaste contra a Ucrânia. Kiev está lentamente a ficar sem armas nem tropas, enquanto a Rússia tem grandes unidades de tropas em reserva, o que torna provável um avanço russo na frente – especialmente no caso de uma grande ofensiva russa na primavera ou no verão.

Em consequência da iminente derrota ucraniana, desde fevereiro que se discute na UE uma intervenção aberta das tropas ocidentais na zona de guerra2 – o que conduziria quase inevitavelmente a um confronto militar directo com a Rússia. Actualmente tem sido sobretudo o Presidente francês Macron que, em várias ocasiões, não quis excluir a hipótese de uma intervenção militar na Ucrânia. Mais recentemente, Macron advertiu, em meados de março, que a credibilidade da Europa se afundaria „até zero“ se o Kremlin vencesse na Ucrânia.3 Segundo o Presidente francês, não se pode permitir que a Rússia vença, pois isso prejudicaria a estabilidade e a segurança da Europa.4 Macron recebeu o apoio do Ministro dos Negócios Estrangeiros polaco, Radoslaw Sikorski, e da Primeira-Ministra estónia, Kaja Kallas, que também se recusaram a excluir uma acção militar contra a Rússia (o Primeiro-Ministro polaco, Tusk, no entanto, foi mais cauteloso). Neste contexto, o Chefe do Estado-Maior francês Pierre Schill falou de uma força de intervenção operacional de 20.000 soldados da NATO, que poderia ser alargada a 60.000 homens.5

Pouco depois das declarações de Macron, os serviços secretos russos FSB anunciaram publicamente que a França já preparava o envio de 2.000 soldados para a Ucrânia, que se infiltrariam através da Roménia – e que constituíam um „alvo legítimo“ para as forças armadas russas.6 A França classificou imediatamente estas declarações como falsas e „irresponsáveis“.7 Parece mais provável uma intervenção gradual, em que os contingentes militares são aumentados lentamente para não oferecer à Rússia uma „linha vermelha“ clara. As conversações de Bruxelas incluíram tropas da NATO na fronteira ucraniano-bielorrussa e no interior da linha da frente, para assumirem o trabalho de desminagem e de logística, a fim de libertarem mais tropas ucranianas para as operações da linha da frente. Milhares de forças especiais, formadores e oficiais de serviços secretos ocidentais já estão activos na Ucrânia, como salientou o Washington Post.8 Dezenas de milhares de combatentes estrangeiros estão também organizados na legião ucraniana, sendo provável que as fronteiras entre voluntários, mercenários, unidades especiais e agentes dos serviços secretos de ambos os lados sejam fluidas.

Atualmente, também parece claro por que razão é improvável que as negociações de paz tenham lugar em breve. No início de março, Macron deixou claro aos deputados franceses que outro ataque russo a Odessa ou a Kiev seria motivo para a França intervir.9 Odessa, em particular, parece agora ser reclamada pela Rússia como despojo de guerra. Com a conquista desta cidade portuária, a Ucrânia perderia o seu acesso ao mar e dificilmente seria economicamente viável, o que também levaria a mais conflitos na Europa, como ilustrado pelos protestos por causa dos cereais na fronteira polaco-ucraniana10. Além disso, a região separatista moldava da Transnístria, que só poderia estar ligada aos territórios anexados pela Rússia através de Odessa, pediu oficialmente proteção à Rússia no final de fevereiro de 2024.11 É extremamente improvável que este pedido, que na realidade equivale a um pedido de adesão à Federação Russa, tenha sido feito sem consulta prévia ao Kremlin. Muito provavelmente, esta resolução foi simplesmente redigida em Moscovo.

Os sinais cada vez mais claros da derrota da Ucrânia, que só poderia ser evitada por uma escalada de alto risco por parte do Ocidente, já estão a revelar as tensões políticas na UE. As clivagens entre Paris, que está disposta a intervir, e Berlim, que está a agir com cautela, e que se transformaram num escândalo quando o chanceler Scholz revelou publicamente a presença não oficial de tropas da NATO na Ucrânia,12 foram apenas mal disfarçadas na última reunião do chamado Triângulo de Weimar (consultas entre a Alemanha, a França e a Polónia). Na reunião do Triângulo de Weimar, o Chanceler Scholz manteve a sua posição de excluir o envio de tropas terrestres e o lançamento de mísseis de cruzeiro – apesar dos compromissos em matéria de artilharia de mísseis de longo alcance.13 O escândalo das escutas que envolveu diletantes generais da Bundeswehr que falaram de ataques com mísseis contra a ponte russa da Crimeia está provavelmente também ligado às tensões intra-europeias.14

A situação parece, portanto, sombria para a Ucrânia – especialmente porque o fornecimento de material de guerra ao país pós-soviético atacado está a falhar, o que significa que o exército ucraniano está a ter de racionar cada vez mais os seus projécteis de artilharia.15 Durante a sua mais recente visita à capital ucraniana, em meados de março, o senador republicano Lindes Graham não quis assumir quaisquer compromissos vinculativos relativamente a mais ajuda militar americana, que está a ser bloqueada pelos republicanos em Washington.16 Segundo Graham, ele estava „mais optimista“ de que algo seria decidido em breve. Em vez disso, o senador apelou à Ucrânia para que aprovasse uma nova lei de mobilização, a fim de poder enviar mais tropas para a linha da frente. São necessárias „mais pessoas“ na linha da frente, afirmou o republicano, encorajando Kiev a lutar mesmo sem o apoio dos EUA: „Independentemente do que fizermos, devem continuar a lutar. … Vocês estão a lutar por vocês próprios“.

Moscovo, entretanto, parece estar a preparar-se para uma intensificação da guerra. Pouco depois da farsa das eleições presidenciais, o ministro da Defesa Shoigu anunciou o envio de mais dois exércitos, 14 divisões e 16 brigadas até ao final de 2024,17 o que aponta para uma nova mobilização parcial na Rússia. Além disso, enquanto a Europa debatia uma intervenção na Ucrânia, foram transferidas mais armas nucleares russas para a Bielorrússia.18 Os políticos russos deixaram claro em várias ocasiões que uma intervenção da NATO na Ucrânia tornaria inevitável uma guerra com a Rússia. A retórica por vezes raivosa e as ameaças nucleares de Moscovo são, na verdade, uma admissão da fraqueza das forças armadas convencionais da Rússia, que continuam a sofrer com a corrupção, a cleptocracia, o nepotismo e a consequente incompetência da oligarquia estatal russa, apesar de toda a sua prática de guerra e superioridade de material.

Uma guerra convencional contra a NATO nunca poderia ser ganha pela máquina militar russa, dominada pela corrupção, que só com grande dificuldade consegue abater o exército ucraniano. O Kremlin também sabe disso. E é precisamente por isso que o risco de uma troca de golpes nucleares aumenta se o Ocidente intervier de facto na Ucrânia, uma vez que o uso de armas nucleares tácticas – um primeiro passo provável de escalada – seria a única opção russa para parar a NATO. A Rússia possui o maior arsenal de armas nucleares e sistemas de lançamento do mundo, e uma escalada nuclear teria consequências globais catastróficas e poria fim ao processo civilizacional não só na Europa.

A situação na Ucrânia é tão perigosa precisamente porque ambas as partes têm muito a perder devido à crise socio-ecológica global do capital que se está a desenrolar. Consequentemente, está a desenrolar-se uma lógica destrutiva do imperialismo de crise na Ucrânia,19 que degenerou num campo de batalha entre o Leste e o Oeste.20 A crise está a pesar no pescoço de ambas as partes do conflito e a derrota ameaça a desestabilização interna, como o Presidente francês Macron deixou claro nas suas observações acima mencionadas. Isto aplica-se ainda mais à Rússia de Putin do que ao Ocidente em erosão, onde os receios de uma vitória eleitoral de Trump estão a crescer em toda a Europa. A vitória na Ucrânia, por outro lado, é uma questão de sobrevivência política e muitas vezes física para Putin e para toda a vertical de poder oligárquico do Kremlin. A doutrina de ataque nuclear da Rússia também prevê o uso de armas nucleares contra adversários convencionais assim que a existência do Estado russo estiver ameaçada. E desde a última eleição fraudulenta russa, a máxima da presidência de Putin também parece ser clara: O Estado sou eu.

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1 https://www.konicz.info/2023/12/14/putins-rechnung-geht-auf/. Em português: https://www.konicz.info/2023/12/15/o-calculo-de-putin-esta-a-resultar/

2 https://www.konicz.info/2024/02/27/natotruppen-in-die-ukraine-update/. Em português: https://www.konicz.info/2024/03/04/tropas-da-nato-na-ucrania/

3 https://www.lemonde.fr/en/france/article/2024/03/14/macron-says-russian-ukraine-victory-would-reduce-europe-s-credibility-to-zero_6619721_7.html

4 https://www.lemonde.fr/en/international/video/2024/03/15/macron-insists-russia-cannot-win-ukraine-war_6622601_4.html

5 https://www.fr.de/politik/akw-nato-bodentruppen-ukraine-frankreich-schill-macron-russland-belgorod-kursk-putin-zr-92904616.html

6 https://tass.com/politics/1762083

7 https://www.reuters.com/world/europe/france-calls-russian-spy-chief-remarks-irresponsible-provocation-2024-03-19/

8 https://www.washingtonpost.com/world/2024/02/28/foreign-troops-ukraine-theyre-already-there/

9 https://www.kyivpost.com/post/29194

10 https://www.pap.pl/aktualnosci/premier-ukrainy-blokada-polskiej-granicy-nie-wplywa-na-transporty-wojskowe-i

11 https://www.tagesschau.de/ausland/europa/transnistrien-russland-moldau-100.html

12 https://www.fr.de/politik/scholz-grossbritannien-ukraine-krieg-soldaten-stationiert-taurus-lieferung-92861784.html

13 https://www.euractiv.de/section/eu-aussenpolitik/news/frankreich-deutschland-und-polen-ueberspielen-differenzen-mit-gemeinsamen-ukraine-prioritaeten/

14 https://www.tagesschau.de/inland/innenpolitik/bundeswehr-abhoerfall-faq-100.html

15 https://www.spiegel.de/ausland/wolodymyr-selenskyj-nennt-ausbleibende-munitionslieferungen-beschaemend-fuer-europa-a-bab910da-9354-4f9e-88be-e94e8423407d

16 https://www.washingtonpost.com/world/2024/03/18/lindsey-graham-visiting-kyiv-urges-ukraine-pass-mobilization-law/

17 https://kyivindependent.com/shoigu-russia-to-form-2-new-armies-by-the-end-of-2024/#:~:text=The%20Russian%20Armed%20Forces%20will,defense%20chiefs%20on%20March%2020.

18 https://foreignpolicy.com/2024/03/14/russia-nuclear-weapons-belarus-putin/

19 https://www.konicz.info/2022/06/23/was-ist-krisenimperialismus/. Em português: https://www.konicz.info/2022/07/06/o-que-e-imperialismo-de-crise/

20 https://www.konicz.info/2022/06/20/zerrissen-zwischen-ost-und-west/. Em português: https://www.konicz.info/2022/07/06/dividida-entre-leste-e-oeste/

Original “Ukraine: Eskalation oder Kapitulation?” in konicz.info, 22.03.2024. Tradução de Boaventura Antunes

konicz.info/2024/03/22/ukraine-eskalation-oder-kapitulation/

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