A „janela ucraniana“ de Putin

O Kremlin parece querer culpar a Ucrânia pelo ataque assassino em Moscovo (Atualização)

Tomasz Konicz

Neste momento é simplesmente impossível determinar quem organizou o assassinato em massa numa sala de concertos de Moscovo, que custou a vida a mais de 140 pessoas. O factor decisivo, no entanto, é a forma como a vertical de poder russa irá reagir. Como é que o Kremlin vai interpretar este atentado terrorista? E, sobretudo, que narrativa farão circular os media pró-Kremlin?

A autoria do atentado parece estar provada. A 7 de março, a embaixada dos EUA em Moscovo emitiu mesmo um aviso directo de terror, no qual se pedia aos cidadãos americanos que evitassem grandes concentrações de pessoas, incluindo explicitamente concertos, devido à iminência de ataques. E é precisamente isto que coloca agora um grande problema ao Kremlin, uma vez que este ataque devastador aponta para um fracasso das forças de segurança russas – e do „homem forte“ do Kremlin. Além disso, há alguns dias, Putin rejeitou publicamente os avisos de terror do Ocidente como „chantagem“ e mero alarmismo com o objectivo de desestabilizar a Rússia.3

Mas este já não é o caso. Em vez disso, representantes proeminentes da vertical de poder russa apressaram-se a ligar os ataques à Ucrânia. A porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, Mariya Zakharova, declarou publicamente que os terroristas capturados tinham procurado refúgio „na Ucrânia“.5 O Ministério da Defesa russo também declarou que as agências ucranianas estavam envolvidas no ataque – e que a Rússia deveria dar uma „resposta no campo de batalha“ se as provas se confirmassem.6 A principal propagandista de Putin, Margarita Simonyan, declarou categoricamente que sabia que Kiev era responsável pelo terror e não o Estado Islâmico. Sabemos „os nomes dos perpetradores“, disse Simonyan.7

No seu discurso à nação, Putin retomou de facto esta narrativa, declarando que os terroristas em fuga se tinham „deslocado para a Ucrânia“, onde tinham uma „janela para atravessar a fronteira“.8 O chefe de Estado russo deu assim a entender que as autoridades ucranianas devem ter cooperado com os terroristas. De acordo com os serviços secretos russos FSB, os autores dos ataques seriam cidadãos tajiques, alguns dos quais viajaram para a Rússia através da Turquia. Teriam cometido o assassinato em massa na região de Moscovo e depois entraram no seu veículo e dirigiram-se para a fronteira com a Ucrânia.9 Os terroristas só terão sido detidos depois de percorrerem várias centenas de quilómetros, a cerca de 150 quilómetros da fronteira ucraniana (região de Bryansk).

Kiev rejeitou imediatamente estas acusações da Rússia, considerando-as „absurdas“. E, no entanto, independentemente da autoria efectiva destes atentados: Está a abrir-se uma janela para o Kremlin, uma janela para a escalada. Uma narrativa que ligue a Ucrânia ao terror em Moscovo poderia facilmente ser utilizada para legitimar uma nova escalada da guerra – tanto em termos de uma nova vaga de mobilização como de uma expansão da zona de combate através de novas ofensivas (Kharkiv está em discussão) ou de uma intensificação dos ataques com mísseis.

Moscovo poderia ser tentado a lançar a grande ofensiva prevista para o início do verão ou da primavera, a fim de a vender à população como uma medida de retaliação pelo terror em Moscovo. Isto poderia acontecer em resposta à discussão europeia sobre uma intervenção na Ucrânia. No Kremlin, o medo de uma intervenção directa do Ocidente na guerra da Ucrânia também está simplesmente a aumentar, o que significa que a janela de oportunidade em que a máquina militar russa goza de uma clara superioridade material pode fechar-se.10

Putin poderia, portanto, ser tentado, com a indignação do terror atrás de si, a criar rapidamente factos militares antes de o Ocidente intervir directamente na Ucrânia. A constelação que está a emergir actualmente tem paralelos com a ascensão do presidente russo durante a Segunda Guerra da Chechénia. O recrudescimento do conflito armado no Cáucaso, que fez de Putin uma figura proeminente, foi precedido por ataques terroristas contra blocos de apartamentos na Rússia em 1999,11 que foram atribuídos a terroristas chechenos, embora também haja indícios de que os FSB teriam sido os responsáveis.

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1 https://edition.cnn.com/2024/03/22/europe/crocus-moscow-shooting/index.html

2 https://edition.cnn.com/2024/03/23/europe/us-had-warned-russia-isis-was-determined-to-attack-intl-hnk/index.html

3 https://twitter.com/wartranslated/status/1771312730793726431

4 https://twitter.com/BRICSinfo/status/1771266448142283226

5 https://twitter.com/djuric_zlatko/status/1771508815957041192

6 https://twitter.com/mrbarnicoat/status/1771493603828793600

7 https://twitter.com/DD_Geopolitics/status/1771487447534178714

8 https://twitter.com/wartranslated/status/1771312730793726431

9 https://twitter.com/MyLordBebo/status/1771461164234428639

10 https://www.konicz.info/2024/03/22/ukraine-eskalation-oder-kapitulation/

11 https://en.wikipedia.org/wiki/1999_Russian_apartment_bombings

Original “Putins ‘ukrainische Fenster’” in konicz.info, 23.03.2024. Tradução de Boaventura Antunes

Putins „ukrainische Fenster“
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