Nazis welcome


Como a guerra sobre a Ucrânia está a impulsionar a frente transversal alemã

Tomasz Konicz, 17.0.2023. Original “Nazis welcome” in www.konicz.info 27.03.2023. Antes publicado ligeiramente reduzido em Konkret 04/2023. Tradução de Boaventura Antunes

Eles já nem se incomodam. As desculpas e evasivas com que os socialistas de inclinação nacional da Alemanha legitimam a sua deriva para o nacional-socialismo estão a tornar-se cada vez mais transparentes. Não passam de exercícios compulsivos e cansativos, desbobinados de forma pouco cortês. Tanto Wagenknecht como Lafontaine deixaram enganosamente claro, no período que antecedeu a verdadeira sátira vendida como um „comício pela paz“ por ocasião do primeiro aniversário da guerra da Ucrânia, que os nazis eram bem-vindos. Lafontaine pronunciou-se antecipadamente contra a exclusão de „pessoas de direita“ de manifestações ou greves, afirmando que se tratava de uma „discussão absurda“. A desculpa idiota com que se legitima esta colaboração oficial com o fascismo refere-se ao facto de não ser possível efectuar um „teste de atitude“ a todos os participantes em grandes eventos – como se alguém o exigisse e fosse necessário, no caso de uma demarcação clara e até agora evidente contra a direita.1

Wagenknecht argumentou de forma semelhante. Ao órgão da frente transversal chamado Nachdenkseiten, a veterana tia da frente transversal do „Partido da Esquerda“ explicou que todos os que „querem honestamente manifestar-se“ pela „paz e contra o fornecimento de armas“ eram bem-vindos à manifestação.2 Só as bandeiras nazis deviam ficar em casa desta vez, pois não tinham nada que estar numa „manifestação pela paz“. O tipo de meio castanho que se junta no Nachdenkseiten já ficou claro pela deixa (dificilmente se pode chamar pergunta) a que Wagenknecht reagiu. Os editores receberam „numerosas cartas de leitores“, que colocam „a questão crucial da participação de membros da AfD“ e se interrogam „se, nesta questão existencial de guerra ou paz, não é necessário trabalhar em conjunto com as forças de todos os campos políticos“.

Nazis bem-vindos, portanto. E eles aceitaram o convite de bom grado. Numa reportagem humorística da revista da nova direita Sezession, de Götz Kubitschek, dizia-se, por exemplo, que, apesar de não se ser identificado „como nazi“ na manifestação, ao mesmo tempo se conheciam muitos leitores e se era cumprimentado calorosamente „dezenas de vezes“.3 A autora da Sezession, Ellen Kositza, sentiu-se muito à vontade na manifestação da frente transversal das celebridades do Partido de Esquerda, no meio dos seus próprios leitores – numa atmosfera que era „em geral tão alegre como inofensiva“. Kositza aplaudiu e apreciou os discursos de Wagenknecht („oradora entusiasta“) e do „apoiante do Estado“ brigadeiro-general (reformado) Erich Vad, que era „também autor da Sezession“. De acordo com Kostiza, os participantes no comício divertiram-se com algumas frases feministas que Alice Schwarzer utilizou no seu discurso, e a Sezession referiu a sua falta de diferenciação em relação à direita. Para Schwarzer a „distinção entre esquerda e direita“ é „extremamente complicada“ actualmente, uma vez que a „frente mudou há muito tempo“. Não é de admirar – com todos os direitistas e extremistas de direita na plateia e no palco. Em cartas dirigidas ao editor da Sezession, os homens da AfD elogiaram os discursos, bem como as reacções „meio-amigáveis“ dos „velhos burros“ comunistas a quem a direita se tinha dado a conhecer.

„Fora nazis!“ Este mínimo civilizacional absoluto, o consenso mínimo de tudo o que ainda faz parte da esquerda na RFA, formado a partir do juramento de Buchenwald, foi consciente e abertamente quebrado e revogado por ocasião deste comício de guerra. De facto, esta é a última fase larvar para a última forma castanha de uma pós-esquerda regressiva e simplesmente reaccionária, que começou a sua caminhada para a direita em 2014 com as vigílias da paz, para a continuar através da crise dos refugiados e da arruaça da pandemia, até à actual caricatura de um „movimento de paz“ aberto à direita. As forças que marcham e se manifestam deliberadamente lado a lado com os nazis já não podem ser consideradas de esquerda, nem na interpretação mais generosa. A questão estaria, de facto, encerrada, a exclusão destas forças da esquerda „abertas à direita“– para o dizer de forma suave – seria uma mera formalidade. Mas é evidente que não é esse o caso. Pelo contrário, a colaboração aberta da velha esquerda com a nova direita desencadeou um reflexo de normalização desta evidente frente transversal, promovida pelo aparelho do Partido da Esquerda, pelo espectro ortodoxo conservador-reaccionário da esquerda e pelo ambiente mediático da frente transversal.

Porque não com os nazis? Parece ser este o novo lema do „espectro conservador da esquerda“ em franca decadência, como lhe chamou Wagenknecht na sua última porcaria publicada (ver Konkret 06/21).4 Não é apenas a afinidade com a nova direita que nasce de uma crítica truncada do capitalismo. A isto junta-se o oportunismo do aparelho partidário, preocupado com os seus cargos e sinecuras, e à beira do abismo perante uma série de derrotas eleitorais. Uma vez que, sem a frente transversal de Wagenknecht, o „Partido de Esquerda“ seria certamente expulso da maioria dos parlamentos, a frente transversal na esquerda deve agora ser „normalizada“. A cisão é agora abertamente utilizada pela frente transversal como instrumento de pressão sobre o resto do partido, que está preocupado com os lugares e os fundos, a fim de ganhar mais espaço de manobra. Na já referida entrevista ao Nachdenkseiten, Wagenknecht especulou também sobre a fundação do seu próprio partido. Pouco depois da manifestação, Wagenknecht, que está acima de qualquer processo de expulsão partidária, chegou mesmo a anunciar que, no futuro, não se candidataria mais pelo „Partido da Esquerda“. As forças vermelhas-castanhas, que pensam abertamente em fundar um partido,5 têm agora – para além de casos pontuais de pseudocrítica – liberdade para fazerem o que quiserem. Este foi simplesmente o resultado dos cálculos oportunistas das tácticas eleitorais da direcção do partido.

Todo um aparelho partidário, incluindo os media, teme pelos seus cargos e rendimentos face a cada vez mais derrotas eleitorais – e parece não recuar perante nada por puro medo existencial. Por vezes já se fazem sentir as pressões no sentido de uma possível fundação de um partido nacional-social. Na fila de candidaturas de activistas e oportunistas nazis de esquerda, que estavam determinados a não ver uma frente transversal na manifestação de Berlim, embora houvesse muitos de direita no palco e na plateia, estavam, entre outros: a „Plataforma Comunista“6 do Partido da Esquerda, o jornal social-democrata Jacobin de Ines Schwerdtner,7 a rede partidária pós-trotskista Marx21,8 a Associação de Estudantes de Esquerda SDS,9 a autora da Konkret Carmela Negrete, que está a traduzir para espanhol o livro de Lafontaine „Ami go home“, os membros do comité executivo do partido Thies Gleiss e Christine Buchholz (curiosamente, responsáveis pela Antifa)10 e – por último, mas não menos importante – o funcionário da Fundação Rosa Luxemburgo Ingar Solty que, num texto bizarro para a revista nacional-bolchevique postila de Putin junge Welt, que é por vezes distribuída em manifestações nazis, defendeu de facto o desarmamento da Ucrânia (os textos de Solty sobre a Ucrânia assemelham-se agora a cartas públicas de candidatura dirigidas à Sra. Wagenknecht).11

Ah, sim, a revista de extrema-direita Compact, de Jürgen Elsässer, publicou excertos de uma entrevista com o político do Partido de Esquerda, Dieter Dehm, muito „aberto à direita „,12 que é „considerado um confidente de Sahra Wagenknecht“ e que esteve no Bundestag pelo Partido de Esquerda de 2005 a 2021, na véspera da „manifestação pela paz“. (Prova de degustação: a coligação anti-Hitler da 2ª Guerra Mundial não era também uma espécie de frente transversal?) Para completar o quadro: É claro que o processo de expulsão do partido contra Dehm falhou.

Compreensivo com os nazis pode ainda ser um eufemismo no caso de alguns destes esplêndidos exemplares do socialismo à alemã: Isabelle Casel, apoiante de Wagenknecht e porta-voz do Grupo de Trabalho Federal „Paz e Política Internacional“, falou com clareza histórico-política durante uma discussão interna do partido sobre o discurso de Wagenknecht: não se deve vir com „Hitler“ como ela, porque não foi correcto durante a Segunda Guerra Mundial „deixar toda a Alemanha com a sua população civil em ruínas com os bombardeamentos dos Aliados mesmo depois do fim da guerra“, disse Casel. Também nessa altura houve „crimes de guerra de TODOS os lados“ e a violência nunca conduz a uma solução. É um pacifismo alemão que, tradicionalmente, nunca se preocupa com factos ou causalidades – e que a Sezession não poderia ter resumido melhor.

Não foi apenas nos jornais de combate nacional-bolcheviques, como o junge Welt, e nos órgãos da frente transversal, como o Nachdenkseiten ou o Telepolis, que os defensores da frente transversal, vendidos como „esquerdistas“, não quiseram ver uma frente transversal. Nos últimos anos, o campo nacional-social de Wagenknecht conseguiu construir uma esfera estável de influência mediática no ambiente mediático de esquerda, que também inclui o Freitag13 e o Berliner Zeitung14 aberto à direita15 – em ambos os media, os apoiantes de Wagenknecht puderam fazer diligente publicidade a Wagenknecht e à „frente transversal pela paz“ por ocasião do comício de Berlim. Em termos de multiplicadores nos media, o campo nacional-social de Wagenknecht já se encontra numa posição melhor do que o resto do partido.

A guerra alimentada pela crise, que comporta de facto o perigo de uma guerra devastadora e em grande escala, oferece à frente transversal – depois das tentativas de arruaça na pandemia – a base ideológica perfeita para a sua marcha final para a direita. Os remanescentes da esquerda alemã estão a ser pulverizados na guerra entre as frentes.16 É uma ruptura da barragem, desencadeada pela guerra da Ucrânia, em que grandes partes da esquerda alemã estão obviamente a entrar em colapso e a derivar para o nacional-socialismo ou para o liberalismo de esquerda verde.17 O oportunismo de esquerda, a ignorância da crise mundial do capital, a consequente crítica truncada do capitalismo e a correspondente formação ideológica contribuíram para a formação deste cortejo anacrónico na última década.

Entretanto tornou-se evidente que a frente transversal tem funcionado como uma espécie de „droga de entrada“ da esquerda no mundo ilusório da nova direita. O seu sucesso baseia-se na embalagem da ideologia de direita numa retórica de esquerda. Objectivamente, a frente transversal funciona como uma correia de transmissão reaccionária, por um lado trazendo ideias de direita para os meios progressistas e de esquerda e, por outro lado, fornecendo à nova direita material humano sempre novo e iludido. O facto de muitos esquerdistas em regressão estarem subjectivamente activos no espectro por outras razões, como „ir buscar pessoas onde elas estão“, não altera a função objectiva das estruturas da frente transversal. O factor decisivo não é, portanto, o que estas forças de pós-esquerda queriam, mas o que está a acontecer objectivamente a nível social.

Por vezes, o caminho para a direita – para o nacional-socialismo, como forma especificamente alemã da ideologia de crise fascista – também é conscientemente tomado. É precisamente por isso que a frente transversal não se dá ao trabalho de mascarar as suas actividades de direita com uma aparência pseudo-esquerdista, uma vez que serve uma correspondente exigência castanha nas suas próprias fileiras. E, não em último lugar, são os resultados eleitorais do „Partido de Esquerda“ que provam de forma impressionante que o discurso de „apanhar“ a direita, que a Frente Transversal espalha aos quatro ventos, é mera ideologia, para servir os ressentimentos que também estão a aumentar na esquerda devido à crise.

1 https://www.oldenburger-onlinezeitung.de/nachrichten/lafontaine-gegen-ausschluss-von-rechten-bei-demonstrationen-100951.html

2 https://www.nachdenkseiten.de/?p=94067

3 https://sezession.de/67188/friedensdemo-mit-wagenknecht-und-schwarzer-in-berlin

4 https://www.konicz.info/2021/06/29/schreiben-wie-ein-internettroll/

5 https://www.spiegel.de/politik/deutschland/sahra-wagenknecht-gruendet-sie-eine-neue-partei-a-0041fb0b-a740-453f-b9e7-264a6e1a9109

6 https://www.jungewelt.de/artikel/446060.eine-querfront-kennt-ihre-f%C3%BChrer.html

7 https://jacobin.de/artikel/neue-alte-friedensbewegung-friedensdemo-berlin-sahra-wagenknecht-alice-schwarzer-linkspartei-ines-schwerdtner/

8 https://www.marx21.de/aufstand-fuer-den-frieden-friedensbewegung-nicht-alleine-lassen/

9 https://linke-sds.org/aktuelles?

10 https://christinebuchholz.de/2023/02/26/friedensbewegung-nicht-alleine-lassen-als-antikriegs-partei-wieder-handlungsfaehig-werden/

11 https://www.jungewelt.de/artikel/445935.linker-bellizismus-knoten-im-kopf.html

12 https://www.compact-online.de/diether-dehm-ueber-querfront-in-compact-3-2023/

13 https://www.freitag.de/autoren/katharina-koerting/demonstrationen-in-berlin-gegeneinander-fuer-den-frieden

14 https://www.zeit.de/kultur/2022-10/berliner-zeitung-kulturchef-viktor-orban

15 https://www.berliner-zeitung.de/politik-gesellschaft/der-frieden-muss-vernichtet-werden-li.320792

16 https://www.konicz.info/2022/04/26/krisenimperialismus-und-krisenideologie/

17 https://www.untergrund-blättle.ch/politik/europa/telepolis-kritik-ukraine-politik-7014.html

Original “Nazis welcome” in www.konicz.info 27.03.2023. Antes publicado ligeiramente reduzido em Konkret 04/2023. Tradução de Boaventura Antunes

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