Rumo à rivalidade

A China está a aproximar-se cada vez mais da Rússia, o que coloca uma tensão nas relações germano-chinesas. Mas a indústria alemã não quer deixar de fazer negócios com a China de modo nenhum

Tomasz Konicz, 17.06.2023. Original “Richtung Rivalität” in www.konicz.info 27.03.2023. Antes publicado em Jungle World 13.04.2023. Tradução de Boaventura Antunes

O modelo económico alemão orientado para a exportação poderá enfrentar tempos difíceis. Durante muito tempo a República Federal pôde literalmente transferir as consequências das crises do século XXI para outros países, através de excedentes de exportação. Mas a guerra da Rússia contra a Ucrânia está actualmente a endurecer as frentes geopolíticas. Os EUA e a República Popular da China, os dois mercados de vendas mais importantes para a indústria alemã, estão a entrar em confronto. Este conflito ameaça ter um impacto maior nos interesses económicos alemães no futuro.

Os políticos e as associações empresariais alemãs estão actualmente empenhados num debate público sobre a forma como a República Federal e a UE se devem comportar estrategicamente em relação ao regime chinês. Deverá a „oficina do mundo“ chinesa ser encarada e tratada, em primeiro lugar, como um mercado fornecedor e de vendas ou, pelo contrário, como um concorrente económico e um adversário político?

Já há quatro anos a Comissão Europeia descreveu contraditoriamente a China como um „parceiro, concorrente económico e rival sistémico“. Entretanto, as relações estão a evoluir cada vez mais no sentido da rivalidade. No final de Março, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, apelou a um realinhamento das relações num discurso fundamental. Ela constatou um „agravamento muito consciente da postura estratégica geral da China“. O país está a lutar por uma mudança sistémica na ordem internacional. Para as futuras relações entre a UE e a China, „o novo posicionamento da China face à guerra de Putin“ será um factor decisivo.

A rápida escalada da concorrência geopolítica entre a China e os EUA exige que a UE, e especialmente a sua principal potência económica, a Alemanha, desempenhem um „delicado acto de equilíbrio“, escreveu Noah Barkin, que acompanha as relações entre a Europa e a China para o Fundo Marshall Alemão, na edição da Primavera da Internationale Politik Quarterly (IPQ), uma revista publicada pelo Conselho Alemão de Relações Externas.

O governo dos EUA sob o Presidente Joe Biden está a pressionar os governos dos países da UE para que se juntem aos EUA nas sanções anti-chinesas, especialmente no sector da alta tecnologia. A Comissão Europeia está agora a levar a sério o conceito de „segurança económica“, que deverá impedir a transferência de tecnologia para a China, segundo o IPQ. Mas na política alemã predominam as preocupações com as perdas económicas que poderiam resultar de uma posição mais dura em relação à República Popular, pelo que o governo federal prefere falar de „resiliência económica“ em vez de „segurança económica“ – e, por exemplo, até agora, quase não dificultou a participação de empresas chinesas em projectos de infra-estruturas alemães.

Mas isso pode mudar. Em Março, tornou-se público que o Governo alemão tenciona proibir, em alguns casos, a utilização de componentes chineses na expansão da rede 5G. O objectivo é evitar uma dependência demasiado grande da China. Esta proibição é possível para proteger „a ordem pública ou a segurança da República Federal“.

Já em Fevereiro, foi amplamente recebido pelo público um estudo do Instituto de Investigação Económica de Kiel (IfW), que atestava a elevada dependência da República Federal relativamente à China em vários produtos de alta tecnologia e matérias-primas. Uma proporção particularmente elevada das importações chinesas encontra-se em computadores portáteis, smartphones, componentes de computadores, produtos médicos, terras raras e outras matérias-primas que são necessárias sobretudo para a produção de baterias. Muitos dos mais de 200 produtos e matérias-primas para os quais a Alemanha depende das importações chinesas não podem ser substituídos a curto prazo, alertou o IfW, referindo-se a possíveis escaladas militares, razão pela qual os autores do estudo apelaram a uma „estratégia de diversificação“ urgente.

Entretanto, a UE está a trabalhar para se preparar melhor para futuras guerras comerciais. Os Estados da UE e o Parlamento Europeu chegaram a acordo sobre um „instrumento contra medidas coercivas“, anunciou o Conselho Europeu no final de Março. O regulamento, que prevê uma resposta imediata às sanções através de contra-sanções, tem como principal objectivo servir de dissuasor. Os países concorrentes não devem sequer pensar em adoptar medidas proteccionistas contra a UE ou contra Estados-Membros individualmente, pois, caso contrário, teriam de contar com reacções contrárias muito fortes. De acordo com a Comissão Europeia, esta medida destina-se a combater a „intimidação económica“ por parte de países terceiros. É provável que o regulamento tenha como alvo principal a China, embora nada seja dito explicitamente sobre este assunto. Há dois anos a China impôs sanções à Lituânia porque o país báltico tinha permitido que Taiwan abrisse uma representação diplomática com o seu nome como Estado.

As novas armas da UE para as guerras comerciais deverão incluir restrições à exportação e direitos aduaneiros punitivos. Além disso, a UE deverá poder restringir o acesso aos seus mercados financeiros e suprimir a protecção da propriedade intelectual. Os EUA também são vistos como um adversário potencial nos conflitos comerciais. A política comercial é cada vez mais utilizada como „arma política“, denunciou Bernd Lange (SPD), presidente da comissão de comércio do Parlamento Europeu, no Handelsblatt. Não se procura o confronto, mas é preciso ser capaz de „defender os próprios interesses económicos“ – também contra „o nosso grande aliado, os EUA“, sublinhou Lange.

As empresas alemãs também têm uma atitude ambivalente em relação à China. No início de Abril, a Federação das Indústrias Alemãs (BDI) apelou a uma renegociação do acordo de investimento CAI entre a UE e a China. O acordo foi suspenso pelo Parlamento Europeu em 2021, após anos de negociações, depois de a China ter imposto sanções a parlamentares da UE. Desde 2020, „muita coisa mudou na China e no resto do mundo“, disse o BDI, acrescentando que uma „reavaliação“ do tratado era, portanto, necessária antes de considerar uma posterior ratificação tardia. A China „perdeu muita confiança na Alemanha e na Europa“ com a sua posição relativamente à „guerra de agressão da Rússia“.

Ao mesmo tempo, os laços económicos estão a estreitar-se. Devido às dificuldades de abastecimento na sequência da pandemia de Covid-19 e à possibilidade de um conflito militar em torno de Taiwan, tem-se falado muito, nos últimos tempos, que as empresas alemãs querem tornar-se menos dependentes dos produtos primários chineses. No entanto, o cepticismo dos gestores de compras alemães em relação à China desapareceu em grande parte, segundo o Handelsblatt, no final de Março. De acordo com os actuais inquéritos da Associação de Gestores de Compras, 56% das empresas inquiridas tencionam aumentar as suas importações da República Popular. No ano passado, os investimentos das empresas alemãs na China atingiram um novo máximo de 11,5 mil milhões de euros.

Simultaneamente, numa consulta governamental realizada em Tóquio em meados de Março, o Governo alemão procurou intensificar as relações económicas com o Japão, que é visto por alguns como uma alternativa à República Popular. De acordo com o Handelsblatt, cerca de 20% das empresas alemãs que operam na região afirmaram, num inquérito, que estavam a considerar o Japão como uma „localização alternativa“.

A empresa química alemã BASF, por outro lado, está a concentrar-se inteiramente na República Popular. A empresa planeia investir dez mil milhões de euros numa nova fábrica em Zhangjiang nos próximos anos. Ao mesmo tempo, a BASF está a planear um programa de redução de postos de trabalho que eliminará um total de 2600 empregos – especialmente na sua unidade alemã de Ludwigshafen. „A China já representa mais de 40% do mercado mundial de produtos químicos e continuará a ser o maior mercado em crescimento da indústria química nesta década“, afirmou Hans-Ulrich Engel, director da BASF, ao explicar a estratégia da empresa.

O presidente da BASF, Martin Brudermüller, escreveu aos accionistas, em Fevereiro, que a empresa estava a investir na China porque isso „a torna mais resistente num mundo multipolar“. No „Tagesschau“, referiu-se também aos elevados preços da energia na UE após o início da guerra. Referindo-se às perdas totais da BASF na Rússia, o Presidente Brudermüller admitiu que uma perda total induzida geopoliticamente também é possível na China. Mas isso significaria que „todo o sistema económico mundial deixaria de funcionar“, então de qualquer modo „de repente tudo seria diferente“.

A ambivalência da relação entre a UE e a República Popular da China foi expressa na semana passada durante a visita conjunta do Presidente francês Emmanuel Macron e da Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a Pequim. Macron começou por referir a necessidade de proteger a indústria europeia dos „riscos“, mas ao mesmo tempo a UE não se deve „distanciar e isolar“. Não existe uma „espiral inevitável“ de tensões entre o Ocidente e a China, afirmou o Presidente francês. A comitiva de Macron incluía uma delegação empresarial de alto nível.

Por outro lado, Von der Leyen, que foi apelidada de „fangirl alemã“ dos EUA pela revista Focus, devido à sua posição dura em relação à China, decidiu fazer uma visita de pequeno-almoço à embaixada dos EUA em Pequim, na quinta-feira passada, antes das conversações com o primeiro-ministro Li Qiang e o líder do Estado e do Partido, Xi Jinping.

Original “Richtung Rivalität” in www.konicz.info 27.03.2023. Antes publicado em Jungle World 13.04.2023. Tradução de Boaventura Antunes

https://jungle.world/artikel/2023/15/richtung-rivalitaet

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