Começar a luta pela transformação!

Por uma consciência combativa da crise. Contribuição para a discussão sobre a orientação estratégica da prática emancipatória na crise sistémica socioecológica

Tomasz Konicz, 03.06.2024

É um truque clássico dos ideólogos reaccionários jogar a questão social contra a protecção do clima. Da AfD a Sahra Wagenknecht, de Friedrich Merz a Klaus Ernst, quando se trata de impedir medidas de protecção do clima, eles gostam de se apresentar como defensores do «homem comum», que corre o risco de ser esmagado. E, como em toda ideologia, há algo de verdade nisso. O grão de verdade distorcida nesta narrativa é que a luta climática conduzida dentro do capitalismo aumenta de facto a pressão sobre os assalariados. Os «activistas climáticos» da Última Geração incomodam o vaivém dos que chegam atrasados ao trabalho. A protecção do clima manifesta-se para os assalariados na forma de aumento dos preços da energia ou dos custos de renovação das casas, repassados para as rendas. E, finalmente, milhões de assalariados na Alemanha trabalham nas indústrias fósseis. Por vezes eles só conseguem reproduzir sua força de trabalho fabricando motores a combustão.

Portanto, é fácil para os caçadores de ratos de todos os tipos explorarem as consequências sociais da contradição entre economia e ecologia. A mentira que transforma essa narrativa em ideologia consiste precisamente em ignorar essa contradição fundamental entre capital e clima. A relação de capital precisa de queimar quantidades cada vez maiores de recursos na produção de mercadorias para fazer do dinheiro mais dinheiro em seu infinito movimento de valorização. Como o trabalho assalariado constitui a substância do capital, todos os aumentos de produtividade levam a um aumento da produção de mercadorias e, consequentemente, a um aumento da fome de recursos da máquina de produção global.

E todas as sociedades capitalistas tardias dependem, de certo modo, deste processo de queima do mundo, sob a forma de salários e impostos. Esta é, de facto, uma contradição insolúvel dentro do capitalismo. O capitalismo está repleto dela. E esta contradição atravessa todos os assalariados, como por exemplo os da indústria automóvel, que pagam as suas casas e financiam os estudos dos seus filhos, enquanto se torna cada vez mais claro o preço ecológico assassino que isso terá.

A crise climática apenas torna evidente que a classe trabalhadora, enquanto «capital variável» dentro da destruição capitalista, não é um sujeito revolucionário, e que a luta de classes é uma simples luta pela distribuição. Como devem as forças emancipatórias lidar com tal demagogia, que contrapõe a crise social do capital à crise ecológica? Muitas vezes, tentativas aparentemente bem-intencionadas, mas ineficazes, são feitas por velhos marxistas para construir uma concordância entre os «interesses de classe» ou «interesses dos trabalhadores» e a protecção do clima, ignorando também os abismos do capitalismo tardio descritos acima. Em vez disso, seria hora de dizer claramente as coisas como elas são, para tematizar ofensivamente essas contradições, bem como a crise sistémica subjacente, em vez de varrê-las para debaixo do tapete. O facto de os assalariados terem de escolher diariamente entre a sobrevivência social no aqui e agora e o colapso climático nos próximos anos é expressão da necessidade de ultrapassar a compulsão capitalista pelo crescimento.

Dizer as coisas como elas são

Consequentemente, há uma resposta necessária e radical a toda a demagogia que opõe a protecção do clima aos interesses dos assalariados no interior do capitalismo: a luta pela transformação do sistema. O capital não só falha em conciliar as questões sociais e climáticas, como também, devido à sua compulsão pela valorização alimentada por contradições crescentes, é simplesmente incapaz de resolver a crise climática ou a crise social. Consequentemente, o capital tem de ser passado à história. Essa é a resposta certa, não só para toda a demagogia, mas também para a dupla crise do capital – em vez da construção de quaisquer sujeitos revolucionários que, infelizmente, não existem. Para usar a linguagem do antigo marxismo do movimento operário: o trabalhador só se tornaria um «sujeito revolucionário» quando deixasse de querer ser trabalhador.

Como não existe realmente nenhuma classe em si que, pela sua posição no processo de produção, possa funcionar como sujeito revolucionário, resta apenas a esperança de que se desenvolva uma consciência radical da crise na população, que funcionaria como base para um movimento de transformação emancipatório. Por isso, em todos os esforços práticos, é fundamental dizer às pessoas o que se passa em relação à crise, a fim de desenvolver uma consciência do carácter e da profundidade da crise em que nos encontramos. O capital, como dinâmica de valorização fetichista e cega, está a atingir os seus limites internos e externos de desenvolvimento, privando a civilização humana das suas bases sociais e ecológicas. A ultrapassagem colectiva da relação de capital torna-se assim uma questão de sobrevivência social. E é precisamente isso que tem de ser transmitido às pessoas em todas as lutas concretas que eclodem devido às contradições e distorções que se agravam com a crise.

Concorrência de crise, instinto de sobrevivência e sublimação

A sensação de que o sistema se encontra numa crise grave é omnipresente. E as distorções cada vez mais graves dão origem à habitual interacção entre declínio social e comportamento cada vez mais concorrencial. É precisamente esta concorrência de crise, alimentada pelo instinto de sobrevivência, que contribui para a barbárie do capitalismo e para a ascensão da nova direita – que envolve esta concorrência de crise com racismo, nacionalismo, anti-semitismo, fanatismo religioso etc. Este instinto de sobrevivência inconsciente, preso na escalada da concorrência quotidiana do capitalismo tardio, tem de ser «sublimado» no âmbito de uma prática emancipatória. Para isso é preciso a reflexão consciente das causas inconscientes da acção social, neste caso, entender a interacção entre o pensamento concorrencial e o processo de crise sistémico. Assim como o instinto cego de sobrevivência dos sujeitos do mercado apenas acelera a dinâmica da crise e abre as portas à barbárie, um impulso colectivo de sobrevivência reflectido, que se assegurou da necessidade para a sobrevivência da ultrapassagem do capital por toda a sociedade, poderia constituir um poderoso factor de motivação para as forças emancipatórias na luta pela transformação do capitalismo tardio. Uma consciência radical da crise está, portanto, ciente da insolubilidade da dupla crise socioecológica do capitalismo e da necessidade para a sobrevivência da transformação do sistema.

O que é a luta pela transformação?

Consequentemente, não é necessário fazer uma revolução, pois o capital se autodestrói. E o processo de transformação já está, na verdade, em seus estágios iniciais. A crise desenrola-se como um processo fetichista e incontrolável na sociedade, que se desenvolve em ondas, mediado pela concorrência e pelo mercado, sem levar em conta as opiniões e os cálculos dos ocupantes do moinho de degraus capitalista. Mesmo que os assalariados não o queiram admitir, mesmo que todas as camadas relevantes da população se agarrem ao capitalismo, o sistema irá ruir devido às suas contradições internas. O que vem depois, porém, é uma incógnita – e é por isso que é necessário travar a luta pela transformação. A sociedade pós-capitalista pode mergulhar na barbárie ou viver momentos de emancipação. Muito ainda é possível. Uma vez que o curso desta mudança também é incerto, utilizamos aqui o termo aberto «transformação», que abrange todos os tipos possíveis de transições coordenadas, caóticas, pacíficas ou violentas para outra formação social (incluindo a transição iminente para o colapso).

Na verdade, a luta pela transformação já está a decorrer, mas não é percebida como tal. A dinâmica da crise é impulsionada pelas crescentes tensões globais e internas, com o surgimento da nova direita e o perigo de uma administração autoritária e fascista da crise colocar o antifascismo na linha da frente da luta entre forças reacionárias e progressistas. É por isso que as manobras da frente transversal na esquerda são tão devastadoras. As lutas concretas que ainda são travadas pelos campos políticos em auto-erosão determinarão em que direcção o capitalismo agonizante irá cambalear.

A luta pela transformação consiste, portanto, em compreender as lutas concretas, que estão a ser alimentadas pela crise socioecológica mundial do capital, como momentos parciais de uma luta pelo curso concreto da inevitável transformação do sistema e, consequentemente, conduzi-las de forma consciente, disseminando assim a consciência da crise entre a população. É o grande elo real que minimiza a concorrência entre movimentos, pois consegue reunir os diferentes movimentos progressistas num denominador comum, unindo-os como momentos parciais de uma luta comum por um processo de transformação emancipatório. Não é necessário alucinar aqui coincidências de interesses dentro do capitalismo entre «lutadores de classe» e «defensores do clima», pois ambos os movimentos são momentos parciais de um único movimento.

É, portanto, decisivo com que consciência os protestos e lutas actuais são conduzidos, mesmo que o seu curso concreto não se diferencie necessariamente, num primeiro momento, das lutas reformistas imanentes ao sistema. O objectivo de uma luta imanente ao sistema e assim conduzida conscientemente – luta climática, luta salarial, protestos antifascistas, manifestações contra o desmantelamento da democracia, lutas defensivas contra o desmantelamento social etc. – muda assim que ela é permeada por uma consciência transformadora, ou seja, quando é compreendida e propagada como uma fase inicial da luta transformadora. O caminho torna-se o objectivo: a auto-organização das pessoas nos movimentos de oposição correspondentes deve, portanto, ser já impulsionada pelo desejo de formar momentos de uma socialização pós-capitalista.

Pensar na crise

Não se trata mais de reparar o sistema em decadência, mas de encontrar, por meio de lutas concretas, caminhos óptimos para sair da crise capitalista permanente, precisamente porque um colapso do capital na barbárie e na catástrofe marcaria a derrota final da esquerda. Por isso a esquerda tem de compreender a crise como um processo que ocorre em ondas e, consequentemente, pensar também em processos, em desenvolvimentos, perceber as estruturas sociais existentes como em decomposição, localizar as contradições decisivas e, antecipando as enormes convulsões futuras, criar as melhores condições sociais, a posição de partida ideal para a transformação emancipatória. Neste contexto, coloca-se sempre a questão concreta de quais as estruturas políticas e quais as configurações de poder social que deverão prevalecer no próximo surto de crise. O processo de crise que se desenrola nas costas dos sujeitos pode afectar sociedades capitalistas tardias com estruturas muito diferentes. Elas podem ser oligárquicas, pré-fascistas ou democráticas burguesas, mais igualitárias ou desniveladas, nacionalistas ou cosmopolitas, seculares ou fascistas religiosas, e assim por diante.

A luta de classes, sustentada por uma consciência radical da crise, pode funcionar tanto como forma embrionária e momento parcial da luta pela transformação quanto a luta climática. Uma posição clara contra o fascismo e o oportunismo de crise – a propaganda aberta da transformação é também o melhor antídoto para o oportunismo – deve, portanto, ser acompanhada por uma abordagem integradora que se estenda o mais possível, a fim de criar as condições ideais para a transformação através da formação de amplas alianças. A dificuldade de uma política de alianças deste tipo reside, por um lado, em localizar as forças que têm potencial para orientar o processo de transformação numa direção emancipatória e, por outro, em introduzir a consciência radical da crise nestes movimentos.

No entanto, é importante evitar uma hierarquização das lutas em contradições principais de luta de classes e outras contradições secundárias. As disputas de luta de classes em lutas salariais ou protestos sociais só podem servir, em igualdade de condições com outras lutas sociais, como a luta antifascista, a luta climática, o antimilitarismo, o feminismo, a defesa da democracia, a autodeterminação sexual etc., num movimento transformador para ultrapassar a sua falsa imediatidade no decorrer das disputas. As lutas sociais, protestos ou lutas pela redistribuição se tornariam, com a introdução de uma consciência radical da crise, em momentos de uma luta transformadora que escalaria muito rapidamente ao ultrapassar pontos de inflexão sociais ou ecológicos, que cada vez mais tendem a coincidir.

Mesmo abordagens práticas simplistas, como a luta de classes frequentemente conduzida com uma falsa imediatidade e os contraprojetos cegos às restrições da dominação subjectiva do capitalismo tardio, o movimento pós-crescimento e o decrescimento preso à ideia de nicho, poderiam experimentar a sua amalgamação precisamente aqui, na luta concreta e consciente pelo futuro pós-capitalista. A luta progressista pela transformação seria a fusão de ambos os impulsos, a luta pela sobrevivência do processo civilizatório, que só poderia ser mantida através da realização de alternativas sociais.

Da luta pela transformação surge também o conceito de emancipação – é uma emancipação do fetichismo social, ou seja, da heteronomia dos sujeitos por dinâmicas sociais que estes sujeitos criam inconscientemente, mediadas pelo mercado. Isso só pode ser feito por um movimento que tenha consciência da sua própria situação. Por isso, é importante dizer às pessoas as coisas como elas são, pois só numa luta consciente, resultante da compreensão da necessidade de um futuro pós-capitalista, é que poderão surgir momentos de emancipação. A luta contra a destruição da democracia no capitalismo tardio teria então de ser travada como uma luta pela manutenção de vias de transformação não violentas, precisamente porque a crise irá alimentar a fuga autoritária para a fé no Estado.

A orientação para uma formação social pós-capitalista não só poderia pôr um travão à sede autoritária de poder dos sectores conservadores tradicionais, como também poderia minar a narrativa reaccionária da renúncia ao consumo: numa sociedade pós-capitalista, as necessidades humanas seriam libertadas do espartilho coercivo da forma de mercadoria. Essa libertação das necessidades da compulsão consumista da forma de mercadoria poderia, assim, economizar recursos maciçamente, sem ser percebida como renúncia ao consumo.

Consequentemente, apesar de todas as evidências, é preciso lutar para moldar o inevitável processo de transformação, que certamente acabará com o estado actual e cujo curso e resultado ainda são incertos, por meio de um movimento consciente. Nesse contexto devem surgir as primeiras formas de uma sociedade pós-capitalista, conscientemente moldadas para a sua reprodução num processo de entendimento igualitário e democrático. A transformação do sistema é inevitável, o importante é conduzi-la numa direcção progressista e emancipatória. Não há alternativa a esta empreitada aparentemente megalomaníaca, pois o sistema, seguindo a sua dinâmica destrutiva, ameaça entrar em colapso e na barbárie. A passagem do capital à história representa o último constrangimento material do capitalismo.

Original “Den Transformationskampf aufnehmen!” em konicz.info, 01.06.2025. Antes publicado em arranca nº 56, Verão de 2024. Tradução de Boaventura Antunes
https://arranca.org/ausgaben/nichts-zu-verlieren/den-transformationskampf-aufnehmen

Nach oben scrollen