Almas do outro mundo proteccionistas

As lições que a administração burguesa das crises aprendeu com a grande crise sistémica dos anos de 1930 foram há muito esquecidas na Washington de Trump

Tomasz Konicz, 06.04.2025, Original “Protektionistische Wiedergänger” em konicz.info, 28.03.2025. Também publicado ligeiramente resumido em jungle world, 2025/12. Tradução de Boaventura Antunes

Será que pode ser um pouco mais? Quando se trata de tarifas e barreiras comerciais, o Presidente dos Estados Unidos é um mãos largas, como é sabido. Donald Trump respondeu ao anúncio da UE de medidas de retaliação às tarifas sobre o alumínio e o aço dos EUA, medidas essas que incluem bebidas alcoólicas, ameaçando com tarifas punitivas astronómicas de 200% sobre o vinho e o espumante europeus. Até agora esta estratégia de escalada tem funcionado: Quando a província canadiana de Ontário anunciou taxas de 25% sobre as exportações de eletricidade para os EUA como parte da guerra comercial norte-americana, Trump ameaçou imediatamente duplicar as tarifas dos EUA sobre todas as importações de metais canadianos para 50% – Ontário retirou subsequentemente a sua taxa de exportação.

Os EUA têm, de facto, uma vantagem estratégica nas guerras comerciais, uma vez que têm um défice comercial gigantesco (918,4 mil milhões de dólares em 2024). Este deverá tender a diminuir no decurso das guerras comerciais, enquanto a maioria dos parceiros comerciais dos EUA verá provavelmente as suas exportações diminuírem. Trump especula sobre a possibilidade de ultrapassar a turbulência a curto prazo causada pela grande viragem proteccionista, a fim de alcançar o seu esperado retorno a longo prazo sob a forma de uma reindustrialização dos EUA antes das próximas eleições. Na verdade os EUA procuram reindustrializar-se à custa de países e zonas económicas para cujas indústrias de exportação os défices comerciais dos Estados Unidos têm sido, até agora, equivalentes a um programa de estímulo económico financiado a crédito.

De facto, a economia global, que na era neoliberal funcionava cada vez mais a crédito, também funcionava desta forma: Os EUA assemelhavam-se a um buraco negro na economia global, absorvendo os excedentes de produção industrial e podendo contrair empréstimos na moeda de reserva mundial, o dólar americano, nos mercados financeiros em rápida expansão. Como centro da financeirização neoliberal do capitalismo, gigantescos excedentes de exportação fluíram assim para os EUA como parte de circuitos de défice em constante crescimento, enquanto um fluxo de instrumentos e títulos de dívida começou na direcção oposta, tornando a China, por exemplo, o maior credor externo dos EUA durante muitos anos (actualmente é o Japão). Na era neoliberal, a dívida global aumentou mais rapidamente do que a produção económica global (de cerca de 110 por cento no início dos anos 70 para mais de 250 por cento em 2020) e foi precisamente através destes circuitos de défice que a globalização foi alimentada.

Esta construção neoliberal da torre da dívida, que deu origem à ilusão de um crescimento impulsionado pelo mercado financeiro nos EUA, produziu uma verdadeira economia de bolhas financeiras global, que se tornou instável com o rebentamento da bolha imobiliária em 2008 e insustentável com o aumento da inflação a partir de 2020. Trump é, portanto, um produto da crise, cujo proteccionismo pretende dar resposta aos processos de desintegração social que acompanharam a desindustrialização e o desmoronamento da economia das bolhas financeiras. E não é por acaso que tudo isto se assemelha ao protecionismo dos anos 1930, quando o sistema mundial foi atingido pela maior crise até então.

Está agora a vir à tona o limite interno do capital, que se está a desfazer da sua própria substância, o trabalho assalariado, através da racionalização mediada pelo mercado: como não estão à vista novos sectores económicos que valorizassem o trabalho assalariado em grande escala, todas as áreas económicas têm de tentar proteger as suas capacidades industriais remanescentes, uma vez que todos tentam apoiar as suas indústrias através das exportações. Trump quer, efectivamente, uma ruptura qualitativa com o adiamento da crise alimentado pelo crédito da era neoliberal – e a contradição é quase palpável, por exemplo, com o eterno ziguezaguear proteccionista de Trump. O sistema só pode funcionar a crédito – e, ao mesmo tempo, as consequências desta economia global do défice já não são social, económica nem sobretudo politicamente sustentáveis.

Mas o que é que Trump quer? Em última análise, a Casa Branca está actualmente a destruir o sistema hegemónico dos EUA estabelecido no período pós-guerra, uma vez que os EUA já não podem ou já não querem suportar os custos desta hegemonia. Em vez disso, Trump está a trabalhar para estabelecer um império americano que já não depende de uma rede global de instituições e regras para o exercício do poder, mas que presumivelmente se afirmará através da força directa e, em última análise, militar. E isso não é um sinal de força, mas de fraqueza. O tacanho cálculo imperialista de crise de Trump, que vê a desindustrialização dos EUA como o resultado da fraude de concorrentes estrangeiros, fará triste figura o mais tardar quando essa mesma concorrência deixar de ver qualquer razão para aceitar o dólar americano como moeda de reserva mundial. As convulsões geopolíticas que agora abalam o que resta do “Ocidente” têm a sua causa sistémica precisamente no limite interno do capital que se está a revelar abertamente.

Original “Protektionistische Wiedergänger” em konicz.info, 28.03.2025. Também publicado ligeiramente resumido em jungle world, 2025/12. Tradução de Boaventura Antunes
https://www.konicz.info/2025/03/28/protektionistische-wiedergaenger/

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