Tarifa a tarifa na crise

Com a sua política tarifária proteccionista, o novo Governo norte-americano anuncia o fim da era da globalização neoliberal

Tomasz Konicz, 16.03.2025

O proteccionismo parece estar prestes a tornar-se o novo normal. O primeiro reflexo da política externa da nova administração americana foi instigar conflitos comerciais. No início de Fevereiro, poucos dias após a tomada de posse, o Presidente Donald Trump impôs direitos aduaneiros punitivos sobre os produtos provenientes da China, do Canadá e do México.

Com 25%, os direitos de importação sobre os produtos do México e do Canadá eram muito mais elevados do que os impostos à China, cujos produtos estavam sujeitos a direitos de importação adicionais de 10%. Os EUA são de longe o parceiro comercial mais importante dos três países, com o qual todos eles têm excedentes comerciais.

No entanto, enquanto as taxas aduaneiras contra a China entraram em vigor, Trump suspendeu a aplicação de medidas proteccionistas contra os países vizinhos do norte e do sul dos EUA durante 30 dias, a 3 de Fevereiro. Nessa altura, o governo americano entrou em negociações com o México e o Canadá, durante as quais a ameaça de tarifas punitivas continua em vigor. De facto Trump já conseguiu obter concessões significativas: tanto o Canadá como o México concordaram em reforçar os controlos nas suas fronteiras com os EUA. O México quer mobilizar cerca de 10.000 soldados para proteger a fronteira, de modo a não pôr em risco a posição económica da sua região fronteiriça do norte como bancada de trabalho alargada dos EUA.

Na verdade, o alegado proteccionismo económico de Trump é um instrumento geopolítico de poder que pode ser usado para extorquir concessões. No caso do México, que é particularmente susceptível à pressão económica dos EUA, uma vez que desenvolveu dependências económicas crescentes como resultado da estratégia de nearshoring dos EUA, o objectivo é uma melhor defesa contra os movimentos migratórios. O Canadá, por outro lado, parece estar a ser forçado a integrar-se mais estreitamente na economia dos EUA – a luta previsível pelos recursos e rotas comerciais do Ártico em rápido degelo torna pelo menos compreensíveis as bizarras exigências de anexação de Trump relativamente ao Canadá e à Gronelândia.

A China anunciou imediatamente medidas de retaliação: Os aumentos tarifários agora introduzidos incluem 15% sobre fontes de energia e 10% sobre máquinas agrícolas, peças sobresselentes para camiões e produtos semelhantes provenientes dos EUA. No entanto, o governo chinês é quem mais sofre com estas guerras comerciais. Em 2024, o défice comercial dos EUA atingiu a gigantesca soma de 918,4 mil milhões de dólares, dos quais 295,4 mil milhões de dólares só para a China. Mesmo que ambas as partes sofram inicialmente desvantagens económicas num conflito comercial, especialmente na actual fase de crise estagflacionária, por exemplo, sob a forma de uma inflação mais elevada, uma escalada atingiria sempre mais duramente a economia com os excedentes de exportação do que o país deficitário, que pode pelo menos esperar substituir as importações sobrecarregadas por direitos aduaneiros através do aumento da produção interna.

A União Europeia encontra-se numa situação semelhante, tendo-se orientado, desde a crise do euro, para o modelo económico alemão, que privilegia as exportações, e atingindo um excedente comercial de 235,5 mil milhões de euros com os EUA em 2024. Cerca de 20 por cento de todas as exportações da UE destinam-se aos EUA, o seu mercado de vendas mais importante. As tarifas especiais de 25 por cento sobre o aço e o alumínio, impostas por Trump em meados de Fevereiro, foram imediatamente descritas pela UE como ilegais. A UE não vê “qualquer justificação para impor direitos aduaneiros às suas exportações”, segundo a Comissão Europeia, que ameaçou tomar medidas para “proteger os interesses das empresas, dos trabalhadores e dos consumidores europeus de medidas injustificadas”.

Apenas a primeira salva de Trump na guerra comercial transatlântica

Esta foi efectivamente apenas a primeira salva de Trump na próxima guerra comercial transatlântica, uma vez que apenas alguns fabricantes da UE são substancialmente afectados. O excedente comercial da UE é gerado principalmente por automóveis fabricados na Alemanha, maquinaria e produtos farmacêuticos – em 18 de Fevereiro, Trump ameaçou aplicar tarifas punitivas de 25% aos automóveis, semicondutores e produtos farmacêuticos. Além disso o sector agrícola da UE está a incorrer na ira do governo dos EUA devido a algumas restrições comerciais da UE – por exemplo, contra o famigerado frango clorado dos EUA. O sector agrícola da UE sabe exactamente o que o espera. No início do ano, as exportações agrícolas da UE para os EUA atingiram o nível mais elevado dos últimos 15 anos. “Montanhas de manteiga, pirâmides de queijo e lagos de leite” estão actualmente a ser preparados para exportação, antecipando as barreiras comerciais que se avizinham, noticiou o jornal austríaco Der Standard.

Trump já deu a entender aos representantes dos media que o seu governo está a trabalhar numa ofensiva proteccionista abrangente que deverá atingir a UE de forma particularmente dura. Em princípio as futuras tarifas dos EUA serão impostas a países individuais da UE e não a toda a área económica, a fim de promover tendências de divisão na UE, dificultar uma contra-estratégia conjunta da UE e recompensar com isenções os países governados pelos aliados ideológicos de Trump, como a Hungria. O Departamento de Comércio dos EUA está actualmente a compilar uma lista de países que aplicaram “práticas comerciais desleais”, a fim de lhes impor “tarifas recíprocas”.

É quase certo que os fabricantes de automóveis alemães, que se encontram em dificuldades, vão ter de enfrentar novos encargos, uma vez que os direitos de importação de automóveis da UE, de 10%, são muito mais elevados do que os dos EUA (2,5%). O pânico generalizado já se tornou evidente no anúncio público do CEO da VW, Oliver Blume, de que tenciona manter conversações directas com o governo dos EUA. A indústria alemã de construção de máquinas também é suscetível de enfrentar aumentos de tarifas. Se o conflito comercial com os EUA se agravar, as previsões apontam para uma quebra económica adicional de até 1,5% do produto interno bruto precisamente para a Alemanha.

Que medidas de retaliação restam à UE?

Bourbon, calças de ganga, Harley-Davidsons, amendoins – que medidas de retaliação restam à UE? Bruxelas e Berlim estão certamente conscientes de que a UE está em desvantagem nos litígios comerciais devido ao seu excedente de exportações. Até à data foi sinalizada uma proposta de compromisso e uma contra-ameaça ao governo dos EUA. A UE parece disposta a comprar maiores quantidades de gás natural liquefeito aos EUA e a reduzir os direitos aduaneiros sobre os veículos americanos, a fim de reduzir o défice dos EUA.

Com base na experiência proteccionista adquirida durante a primeira presidência de Trump, a UE já emitiu um regulamento no final de 2023 que permite medidas de retaliação rápidas caso seja utilizada “coerção económica” contra a zona monetária. Desta vez não se trata apenas da importação de bens, mas também de serviços. Isto poderá causar dificuldades aos gigantes informáticos norte-americanos, como a Alphabet, a Meta e a Amazon, que se adaptaram muito rapidamente aos objectivos autoritários de Trump.

No entanto, em termos de política económica, dificilmente se pode falar de uma reviravolta na política dos EUA. Trata-se mais de uma intensificação das anteriores tendências comerciais restritivas, uma vez que a administração de Joe Biden também continuou as medidas proteccionistas do primeiro mandato de Trump de uma forma modificada – especialmente sob a forma de programas de estímulo económico, que beneficiaram em particular os produtores nacionais. E é precisamente no crescente proteccionismo que o processo de crise se torna evidente. A luta por excedentes comerciais é uma expressão concreta do limite interno do capital sufocado pela sua produtividade, que antes pôde ser ultrapassado no quadro das economias de défice neoliberais, especialmente nos EUA.

Trump parece agora anunciar a ruptura final com a era da globalização neoliberal, que produziu circuitos de défice gigantescos alimentados por bolhas especulativas. Os EUA, com o dólar como moeda de reserva mundial, formam o centro desta economia de bolhas financeiras funcionando a crédito, na qual os défices comerciais dos EUA funcionam como um programa de estímulo económico global – até que a desindustrialização que a acompanha conduziu a uma perturbação social generalizada e à instabilidade política nos EUA, o que por sua vez elevou as forças populistas de direita à Casa Branca. Na sua segunda tentativa, parecem agora mais determinadas do que nunca não só a impulsionar o fascismo na política interna, mas também a encenar um revivalismo da política económica do proteccionismo devastador dos anos 30 do século passado, que então exacerbou a crise.

Original “Zoll um Zoll in die Krise” in konicz.info. Antes publicado em Jungle World, 27.02.2025. Tradução de Boaventura Antunes

https://jungle.world/artikel/2025/09/trump-regierung-abkehr-globalisierung-zoll-um-zoll-die-krise

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