A China é a melhor Alemanha?

Impulsionada por uma crise interna, a China está a expandir a sua economia de exportação “verde”. Assim se orientando por concepções económicas alemãs

11.05.2024, Tomasz Konicz

Painéis solares, automóveis eléctricos e baterias são cada vez mais baratos. Será então viável, afinal, o famoso capitalismo “verde”? Provavelmente não. E a razão bem simples é o facto de estes produtos serem fabricados principalmente na China, o que coloca um grande problema de política industrial à UE e aos EUA. No início de abril, durante a sua visita à China, a Secretária do Tesouro norte-americana, Janet Yellen, criticou a ofensiva de exportação “verde” da República Popular da China, afirmando que os Estados Unidos não a “aceitariam”, porque poderia custar-lhes muitos postos de trabalho.

A administração do Presidente Joe Biden, que prossegue a via proteccionista de Donald Trump, vê nos subsídios estatais ocultos a causa do preço barato dos novos produtos chineses que estão actualmente a inundar o mercado mundial. Este dumping está a pôr em risco “a viabilidade das empresas americanas e de outras empresas estrangeiras”, disse Yellen. O Ministro do Comércio da China, Wang Wentao, contrapôs que os automóveis eléctricos chineses só são tão baratos devido à inovação contínua. Nas comunicações, a República Popular opõe-se ao proteccionismo, uma vez que este privaria os consumidores de produtos ecologicamente sustentáveis, necessários para atingir os objectivos climáticos.

No entanto, o apoio do Partido Comunista Chinês ao comércio livre capitalista é motivado pela política interna. O governo espera poder compensar os problemas económicos em rápido agravamento na economia interna, concentrando-se novamente na economia de exportação. O capitalismo de Estado chinês fabricou a maior bolha imobiliária da história mundial, que está agora – apesar de toda a intervenção do Estado – a esvaziar-se inevitavelmente. Os preços no sector imobiliário estão a cair, um exército de pequenos investidores teme pelos seus investimentos nas ruínas de cidades fantasma inacabadas, empresas de construção gigantescas como a Evergrande e a Country Garden estão à beira da falência ou da liquidação.

A República Popular está, assim, ameaçada por uma estagnação permanente do consumo interno e da economia. Esta quebra do consumo, por sua vez, agrava o excesso de capacidade industrial que surgiu com o fim do boom do sector imobiliário.

Mudança de paradigma iminente

Um olhar sobre a história económica recente da República Popular pode esclarecer a iminente mudança de paradigma: Foi precisamente a bolha especulativa alimentada por investimentos gigantescos em infra-estruturas e no sector imobiliário que alimentou a retoma económica da China desde a eclosão da crise financeira mundial em 2008. Antes disso, a República Popular tinha um modelo económico orientado para a exportação, baseado na obtenção de elevados excedentes de exportação no comércio com os EUA e a UE. A partir de 2009, as medidas de estímulo económico chinesas para amortecer o impacto do rebentamento das bolhas imobiliárias na Europa e nos EUA levaram ao desenvolvimento da grande prosperidade da construção. Embora a China não tenha sido directamente afectada pela crise financeira com os seus controlos de capitais, foi indirectamente prejudicada pela recessão nos países consumidores e, por conseguinte, aumentou a procura interna.

Os números são claros: entre 2006 e 2008, os excedentes de exportação da China situavam-se entre 7,5 e 8,5 por cento do seu produto interno bruto (PIB), após o que caíram para menos de três por cento, descendo para o domínio das milésimas em 2018 e 2019. Os excedentes comerciais têm vindo a aumentar novamente desde 2020. A percentagem do comércio no PIB caiu de cerca de 60 por cento entre 2004 e 2008 para menos de 40 por cento entre 2016 e 2022.

Por conseguinte, faz sentido falar do regresso previsto da China a um modelo económico orientado para a exportação, agora que se esgotaram as possibilidades de crescimento interno especulativo e financiado a crédito. No entanto, a República Popular parece também querer copiar a política de “empobrecer o vizinho” da Alemanha, que conseguiu assegurar a sua base industrial através de excedentes comerciais extremos desde a introdução do euro em 2000 – o endividamento, a desindustrialização e o desemprego foram, assim, praticamente exportados.

Além disso, o papel preponderante dos produtos “verdes” no excesso de exportações chinesas, que também é lamentado na Alemanha, faz lembrar as concepções económicas defendidas pelo Partido Verde alemão, que, antes de entrar para o governo, atribuía um papel preponderante à produção de produtos técnicos “verdes” como motor económico no âmbito do pretendido Green Deal da UE . A China parece, assim, querer concretizar as ideias alemãs de uma economia ecológica de exportação.

O preço dos painéis solares desceu 90 por cento

Na República Popular da China, há anos que existem capacidades de produção gigantescas, subsidiadas pelo Estado, para a produção de energia não fóssil e para os transportes sem energia fóssil, que são superiores à concorrência ocidental no que diz respeito a automóveis eléctricos, painéis solares, turbinas eólicas e baterias, simplesmente devido às economias de escala daí resultantes. As fábricas de energia solar da China são dez vezes maiores do que as da Europa. Os automóveis eléctricos fabricados na China podem ser postos à venda cerca de dez por cento mais baratos do que os modelos alemães concorrentes. No caso dos painéis solares, a diferença de preços é de 20 a 30 por cento. A indústria solar da “oficina do mundo”, que já atingiu uma quota de mercado de 80%, poderia cobrir, com as suas capacidades, duas vezes e meia a actual procura mundial de painéis solares.

De acordo com as estimativas ocidentais, os produtos “verdes” da República Popular da China são, por vezes, lançados no mercado mundial a preços de dumping, sem que haja lucro. Em todo o caso, o preço dos painéis solares baixou 90% entre 2006 e 2023. Além disso, sendo o maior emissor de gases com efeito de estufa, a China está a expandir enormemente o seu sector de energias renováveis, o que significa que a República Popular da China poderá ver as suas emissões de CO2 diminuir este ano.

Mas a tentativa da China de estabelecer a sua indústria “verde” como um motor de crescimento económico orientado para a exportação está enfrentar um ambiente de política económica que mudou significativamente desde 2008. A grande bolha imobiliária transatlântica, que forneceu à “oficina do mundo” a sua procura gerada pelo crédito, pertence ao passado. Em vez do comércio livre e da globalização, prevalecem agora no Ocidente o proteccionismo e a política industrial activa do Estado. Os EUA, a Alemanha e a UE procuram reforçar e expandir a sua própria base industrial, aproximando-se assim um pouco mais do modelo económico do capitalismo de Estado chinês. Isto é particularmente verdade no sector das TI e das tecnologias “verdes” do futuro.

Colocar “as relações económicas entre a UE e a China na era glaciar”

A este respeito, são de esperar disputas de política comercial entre a China e a UE, como previu o jornal económico Capital em fevereiro – o que seria prejudicial para os fabricantes de automóveis alemães, já em dificuldades, para os quais a China continua a ser um mercado importante. Tendo em conta os debates europeus sobre as restrições ao investimento, as barreiras à exportação e o desacoplamento económico, um “litígio relativamente pequeno” seria suficiente para lançar “as relações económicas entre a UE e a China numa era glaciar”, segundo o dito jornal. Considera-se certo que a China reagiria às medidas proteccionistas da UE com contramedidas.

Ao contrário da Alemanha, os EUA reduziram significativamente, nos últimos anos, a proporção de indústrias que estariam expostas no caso de uma guerra comercial com a China. Para além dos esforços para restabelecer o fabrico de chips nos Estados Unidos, o governo americano pretende também manter a cadeia de produção da indústria “verde” sob controlo nacional. Antes da sua visita à China, Yellen deixou claro que os Estados Unidos tomariam “novas medidas”, se necessário, para proteger a indústria das “energias limpas”, à qual já foram concedidos “benefícios fiscais”.

Não são apenas os EUA, mas também muitos outros países, como a Europa, o México e o Japão, que estão a sentir “uma enorme pressão” da indústria verde chinesa, disse Yellen. Os excedentes de exportação da China no comércio com os EUA e a UE diminuíram significativamente nos últimos tempos. Os Estados Unidos têm tradicionalmente um défice comercial muito elevado com a China, que ascendeu a cerca de 382 mil milhões de dólares em 2022, mas caiu para cerca de 279 mil milhões de dólares em 2023. O défice comercial da UE com a China também diminuiu 27%, passando do nível recorde de 397 mil milhões de euros atingido em 2022 para 291 mil milhões em 2023.

A ofensiva de exportação “verde” da China parece condenada ao fracasso devido às tendências proteccionistas. A isto acresce o facto de os custos de produção estarem a baixar devido aos constantes efeitos de racionalização nas grandes fábricas chinesas – o fluxo de mercadorias pode aumentar mesmo que os excedentes financeiros estagnem ou até diminuam. A vontade crescente de se envolver em conflitos de política comercial, mesmo perante a diminuição dos desequilíbrios comerciais, aponta simplesmente para a crise sistémica em que se encontra o capitalismo tardio, que corre o risco de sufocar com os seus constantes aumentos de produtividade.

Como o crescimento a crédito já não é possível devido à formação de bolhas especulativas cada vez maiores, todos os centros económicos tentam exportar a sua própria crise através de excedentes de exportação à custa da concorrência, o que não pode funcionar num mundo limitado – e resulta nos correspondentes reflexos proteccionistas que já caracterizaram a crise económica global dos anos de 1930.

Original “China – das bessere Deutschland?” in konicz.info 09.05’2024. Antes publicado em Jungle World de 02.05.2024 com o título “Mach deine Nachbarn zu Bettlern [Faça dos seus vizinhos mendigos]”. Tradução de Boaventura Antunes

https://jungle.world/artikel/2024/18/china-weltmarkt-handelskrieg-mach-deine-nachbarn-zu-bettlern
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