Não vai ficar na mesma

O movimento de decrescimento poderia dar um impulso valioso para estabelecer uma consciência radical da crise – se tivesse um conceito de capital e da inevitável luta pela transformação

Tomasz Konicz, 19.04.2024

Um amplo debate de esquerda sobre os conceitos de decrescimento e sobre a chamada economia pós-crescimento parece urgentemente necessário, quanto mais não seja para romper com a arcaica ideologia social-democrata e marxista tradicional, que está de novo a ganhar força contra o pano de fundo das tendências de crise do capitalismo de Estado. O facto de o crescimento sem fim ser impossível e autodestrutivo num mundo finito é imediatamente óbvio e fácil de comunicar ao público em geral. Esta argumentação pode servir de introdução à formação de uma consciência radical da crise, a fim de evitar que as pessoas inseguras caiam na ilusão e na ideologia da crise (a personificação das causas das crises, que anda de mãos dadas com a naturalização do capitalismo).

No entanto, como observou Christian Hofmann na sua contribuição para o debate, isto não é de modo nenhum suficiente. É um primeiro passo na percepção que tem de ser seguido por uma análise da relação de capital como um processo fetichista de crescentes contradições internas e externas.

E é precisamente aqui que o pensamento anacrónico da luta de classes fica decididamente aquém das expectativas, se a gestão da crise e a passagem para uma economia pós-crescimento forem transformadas numa mera questão de expropriação, com a qual se pretende que o proletariado, há muito em decadência, seja reanimado como sujeito revolucionário, tal como Julian Kuppe defendeu no seu contributo.

No seio da esquerda, que há muitos anos ignora o clima, tornou-se habitual acrescentar reflexivamente a crise sistémica e climática como um novo elemento às velhas ideologias, a fim de poder persistir no pensamento enraizado da luta de classes. O próprio Marx era contraditório a este respeito, pois imaginava o proletariado como uma classe revolucionária, por um lado – tendo em conta o pauperismo do século XIX – para, por outro lado, na sua análise da forma do valor, o identificar como mero „capital variável“ (que, por vezes, atropela a cola pelo clima para evitar chegar atrasado ao trabalho).

Na sua dinâmica global como „sujeito automático“ (Marx) de autovalorização sem limites, a relação de capital é mais do que a mera divisão de classes e os consequentes interesses capitalistas no interior das classes. O factor decisivo é o automovimento fetichista, mediado pelo mercado, do capital como „contradição em processo“ (Marx), que tem de abrir novos mercados e campos de valorização para não colapsar sob si próprio. Em termos concretos, é a contradição interna do capital, que se desfaz da sua substância, o trabalho assalariado, através da racionalização mediada pela concorrência: quanto maior a produtividade do capital, menor o valor objetivado numa mercadoria – e mais mercadorias têm de ser produzidas e vendidas para valorizar a mesma massa de valor.

O capital queima o mundo para transformar dinheiro em mais dinheiro. Quanto mais produtivo o capital se torna, maiores são as quantidades de matérias-primas e recursos que tem de queimar. É por isso que todos os esforços para resolver a crise climática capitalista através da inovação – como Stefan Laurin defendeu na sua carta de candidatura – parecem tão impotentes.

A sociedade capitalista tardia, o mundo inteiro, é apenas uma fase transitória desta dinâmica de valorização cega e destrutiva do capital. As empresas expropriadas nas mãos dos trabalhadores estariam assim expostas às mesmas pressões do mercado (ver, por exemplo, a economia socialista de mercado da Jugoslávia). O mesmo se aplica ao capitalismo de Estado, preferido pelos velhos marxistas nostálgicos e pelos keynesianos errantes, que representa, de facto, uma forma tão efémera quanto passada de desenvolvimento e de crise da dominação do capital, em última análise sem sujeito.

A emancipação da relação real-abstracta do capital, que, no seu automatismo de valorização pleno de contradições, priva a humanidade dos fundamentos sociais e ecológicos da vida, só pode ser alcançada através da ultrapassagem consciente desta dinâmica global e social de destruição, pela qual luta um movimento emancipatório. Esta é a maior fraqueza dos discursos pós-crescimento, que ignoram maioritariamente a questão da luta concreta para moldar o pós-capitalismo.

Mas mesmo os velhos conceitos marxistas de revolução – a que Kuppe se refere – ficam aquém neste caso, uma vez que a transformação aberta do sistema irá inevitavelmente instalar-se (está já na fase inicial sob a forma da ascensão do fascismo). E caracteriza-se precisamente pelo facto de as próprias classes, que deveriam ser as portadoras da revolução, estarem em processo de desintegração.

Todo o horror consiste precisamente no facto de que uma revolução é, até certo ponto, supérflua, uma vez que o capitalismo tardio irá inevitavelmente quebrar-se devido aos seus limites internos e externos – e, seguindo o seu próprio impulso fetichista, isto conduzirá à barbárie e ao colapso da civilização. As forças progressistas devem, portanto, conduzir este processo irreversível de colapso do próprio capitalismo numa direção emancipatória – em primeiro lugar, confrontando a extrema-direita e as suas ideologias de crise.

A crise, finalmente levada a sério no contexto da luta pela transformação, constituiria o verdadeiro denominador comum de lutas aparentemente díspares, que só podem ser travadas sob a forma de uma luta pela configuração do pós-capitalismo, uma vez que as exigências das lutas individuais já não podem ser realizadas de forma imanente na crise capitalista permanente. O factor decisivo aqui não é a filiação de classe, mas a consciência da crise – por outras palavras, a difusão maciça da consciência da inevitabilidade da transformação do sistema.

Na luta de transformação conscientemente travada em torno do pós-capitalismo, teria de emergir a forma de uma sociedade pós-crescimento, o que só seria possível de maneira eficiente num processo aberto e igualitário de entendimento em toda a sociedade sobre o como e o quê da reprodução. Mesmo um processo de transformação tão optimizado não realizaria uma utopia, uma vez que o capital, como Sebastian Müller explicou na sua contribuição para o debate, já corroeu demasiado as bases ecológicas da vida humana para que se possa sonhar com um comunismo totalmente automatizado a nível mundial.

Num pós-capitalismo emancipatório, seria mais uma questão de equilibrar as necessidades básicas da humanidade com os desejos individuais de realização e as necessidades da luta planetária contra a catástrofe climática que se aproxima, num debate tenso e carregado de conflitos. Este é o melhor cenário possível – é o melhor que podemos fazer. No entanto, isto não tem necessariamente de ser acompanhado de uma renúncia geral, uma vez que as necessidades podem ser satisfeitas de forma muito mais eficiente para além da forma de mercadoria – que também contamina o valor de uso (transportes públicos em vez de SUVs, design modular em vez de obsolescência, etc.). Assim que as mercadorias deixarem de ser mercadorias, cujo valor de uso só é relevante como portador de valor de troca, também pode chegar ao fim a produção do capitalismo tardio para a lixeira, que tem um efeito devastador no contexto do sistema agrícola capitalista.

E há um indicador muito simples que separa a crítica radical e transformadora do oportunismo ou da cegueira ideológica: a tentativa de dizer o que está em causa. É preciso reflectir claramente sobre o sentimento generalizado da população de que algo está fundamentalmente errado. É preciso consciencializar as pessoas de que o capitalismo tardio está a agonizar e que a luta pelo que vem a seguir é inevitável. Os conflitos e as lutas crescentes pela segurança social, pela distribuição, contra o fascismo, o imperialismo, a erosão democrática, o Estado policial, a discriminação, etc., que são provocados pela crise, só ganharão uma perspetiva estratégica se forem conscientemente conduzidos como momentos da luta pela transformação. Pelo contrário, já não são promissores a longo prazo numa perspetiva no interior do capitalismo.

É precisamente por isso que a questão da consciência da crise é tão importante, pois – na ausência de um sujeito revolucionário – só há esperança se uma parte substancial da população refletir conscientemente sobre a natureza da crise e a consequente necessidade de transformação. E mesmo isso não é garantia de um processo de transformação emancipatório.

Original “Wie es ist, bleibt es nicht” in konicz.info, 15.04.2024. Antes publicado em “Jungle World”, 11.04.2024.Tradução de Boaventura Antunes

https://jungle.world/artikel/2024/15/wie-es-ist-bleibt-es-nicht

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