Liberdade para as cadeias de abastecimento

O FDP sabotou com sucesso a directiva europeia sobre as cadeias de abastecimento

04.03.2024, Tomasz Konicz

As organizações empresariais alemãs conseguiram mais uma vez fazer valer os seus interesses a nível da UE. Após longas negociações, a votação sobre a lei das cadeias de abastecimento da UE, que deveria ter sido votada no Conselho da União Europeia a 9 de fevereiro, foi adiada. Depois de a Alemanha ter anunciado que não votaria a favor da lei, vários países começaram a ter dúvidas. A maioria a favor da lei já não era assim considerada certa.

A directiva, que estava a ser preparada há anos e que se destinava a impor normas mínimas de civilização vinculativas às empresas europeias quando adquirem matérias-primas e fabricam produtos primários fora da Europa, já tinha sido aprovada pelo Conselho Europeu, pela Comissão Europeia e pelo Parlamento Europeu antes de ser chumbada devido a uma objecção dos ministros do FDP.

A abstenção da Alemanha, que tem o mesmo efeito que uma rejeição, é o resultado de uma disputa na coligação que rebentou em janeiro. Os ministros do FDP, Christian Lindner (Finanças) e Marco Buschmann (Justiça), pronunciaram-se contra a nova directiva da UE por considerarem que seria prejudicial para a economia alemã. Segundo a presidência do FDP, a directiva está associada a demasiada burocracia e insegurança jurídica, o que não é possível devido à actual fragilidade económica da Alemanha.

Os liberais estão assim totalmente de acordo com as associações comerciais alemãs, que protestam „maciçamente“ contra a directiva da UE, segundo o Handelsblatt. Numa entrevista à N-TV, Christoph Werner, presidente do conselho de administração da cadeia de farmácias DM, classificou mesmo a legislação proposta como „intrusiva“.

O ministro do Trabalho, Hubertus Heil (SPD), e o ministro da Economia, Robert Habeck (Verdes), que apoiaram a legislação comunitária, já tinham apelado ao chanceler federal Olaf Scholz para que fizesse uso da sua autoridade para emitir directivas e bater o pé – em vão. Anton Hofreiter (Verdes), presidente da Comissão de Assuntos Europeus do Bundestag, também apelou nesse sentido e alertou para a perda de prestígio europeu da Alemanha: „É inaceitável que a Alemanha se abstenha repetidamente em decisões europeias importantes à última hora.“ Scholz deveria evitar que isso acontecesse no futuro, exigiu Hofreiter.

No entanto, em 7 de fevereiro, o FDP anunciou que também iria bloquear à última hora um regulamento comunitário integralmente negociado sobre os objectivos de redução de CO2 para camiões e autocarros, o que significou que a votação, considerada uma mera formalidade, teve de ser adiada em cima da hora. Também os anteriores governos federais já adoptaram uma política baseada em interesses igualmente obstrutiva. Por exemplo, durante o mandato da chanceler Angela Merkel (CDU), os limites de CO2 para os automóveis foram flexibilizados durante anos, a favor da indústria automóvel alemã.

Die Zeit considera que a abordagem do FDP é conveniente para o chanceler Scholz, uma vez que a directiva europeia sobre as cadeias de abastecimento também foi longe demais para ele. Scholz poderia estar a especular que os obstrucionistas liberais iriam suavizar a directiva da UE de tal forma que esta se aproximasse da correspondente lei alemã sobre as cadeias de abastecimento.

A Alemanha já tem uma lei sobre as cadeias de abastecimento com a qual a economia alemã pode viver muito bem. Afinal, se crianças forem mortas durante a extracção de matérias-primas algures no Sul Global, no âmbito de uma cadeia de abastecimento, ou se áreas inteiras de terra forem envenenadas, a lei alemã não oferece às pessoas afectadas uma base para reclamarem uma indemnização às empresas alemãs.

No entanto, este deveria ser o caso da directiva da UE, como criticou o FDP. Carl-Julius Cronenberg, porta-voz do grupo parlamentar do FDP para as PME, defendeu, no Handelsblatt, a criação de um „regulamento de porto seguro“ para a economia alemã, que reduziria significativamente a responsabilidade civil das empresas – tornando a directiva das Cadeias de Abastecimento da UE tão ineficaz como a Lei das Cadeias de Abastecimento alemã.

A Lei das Cadeias de Abastecimentos alemã, que entrou em vigor em 2023, obriga as empresas com pelo menos 3.000 trabalhadores e, a partir deste ano, 1.000 trabalhadores a respeitar os direitos humanos e as normas ambientais, embora estas „obrigações de diligência devida“ tenham muitas lacunas e brechas – especialmente no que diz respeito à biodiversidade e à proteção do clima. No entanto, em caso de incumprimento, o Departamento Federal de Economia e Controlo das Exportações pode aplicar multas a empresas que geram milhares de milhões de euros de receitas. As infracções com uma multa de 175.000 euros ou mais podem mesmo resultar na exclusão de contratos públicos. Lindner disse ao T-Online, na semana passada, que também pretende flexibilizar a lei alemã sobre as cadeias de abastecimento no futuro.

Original “Freiheit für die Lieferkette” in konicz.info, 23.02.2024. Também publicado em Jungle World, 15.02.2024. Tradução de Boaventura Antunes
https://jungle.world/artikel/2024/07/fdp-lieferkettengesetz-produktionsbedingungen-freiheit-fuer-die-lieferkette

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