Falar sobre o tempo

A crise climática torna necessária a politização do tempo

Tomasz Konicz, 17.01.2024

Parece que se estão a safar outra vez. Tim Lochner, o primeiro presidente de câmara da Alemanha a ser eleito como candidato da AfD, anunciou numa entrevista à revista da nova direita Junge Freiheit que iria cancelar os lugares de estacionamento gratuitos para automóveis eléctricos em Pirna, na Saxónia. Isto está em plena sintonia com a linha do partido, que rejeita qualquer forma de defesa do clima. A AfD considera que as conclusões sobre a crise climática não estão „cientificamente comprovadas“. Por isso quer acabar com todos os projectos de defesa do clima – já ridiculamente insuficientes.

Poucos dias depois das eleições para a presidência da câmara de Pirna, choveu muito tempo e muita água, o que provocou graves inundações e níveis de água recorde em muitos locais, especialmente na Baixa Saxónia. O primeiro-ministro do Estado, Stephan Weil (SPD), limitou-se a referir o consenso científico: o aumento dos extremos climáticos está relacionado com as alterações climáticas. Apelou também a uma rápida redução das emissões de CO2.

E, no entanto, os sabotadores climáticos de direita e os negacionistas das alterações climáticas não estão a ser confrontados ofensivamente. Centenas de milhares de pessoas são afectadas pelas consequências de inundações catastróficas, enquanto os agitadores de direita e os fetichistas de pé no acelerador podem simplesmente continuar.

A esquerda, perante isto, permanece na defensiva, embora devesse tomar a ofensiva em situações climatéricas tão extremas. Durante muitos anos considerou-se bastante duvidoso associar um fenómeno meteorológico extremo à crise climática, uma vez que o nexo de causalidade nunca pode ser claramente estabelecido em cada caso individual. Uma seca ou uma tempestade não se prova ser consequência das alterações climáticas.

A direita fóssil utilizou este facto para criar uma meia-verdade que, de um modo geral, ignora qualquer ligação entre fenómenos meteorológicos específicos e o clima, a fim de se imunizar contra as críticas. Mas este argumento já não funciona, uma vez que o estado da investigação está a tornar-se cada vez mais claro e a crise climática está a manifestar-se de forma demasiado evidente na frequência e intensidade dos fenómenos meteorológicos extremos.

Por conseguinte, é mais do que tempo de politizar o clima para contrariar a propaganda de direita sobre o tema do aquecimento global. A crise climática vai continuar a desenrolar-se sem se deixar impressionar pelo palavreado populista e pela opinião pública, o que poderá fazer com que o estado de espírito da população se incline – à semelhança dos pontos de viragem do sistema climático global.

„Toda a gente fala do tempo. Nós não!“ era um slogan utilizado pelos estudantes de esquerda nos anos de 1960, que tem de ser invertido no que diz respeito à crise climática. Porque é necessário colocar as condições climatéricas num contexto político.

Antes de mais, é importante confrontar proactivamente a grande frente de obstrucionistas e sabotadores da política climática com as consequências da crise climática – especialmente numa época de crise em que muitos assalariados são confrontados com a perda de rendimentos reais e da segurança social. Isto porque a direita está a marcar pontos entre eles através da negação das alterações climáticas. Em que outro momento se deveria criticar este reaccionário culto da morte, com o seu impulso de lemingue em direção ao abismo? A crise climática capitalista é um constrangimento factual que exige a defesa do clima, perante o que toda a ideologia se derrete.

Acima de tudo, o Partido da Esquerda poderia passar a criticar os Verdes a partir da esquerda, para variar, em vez de formar a ala social da grande onda nacional de indignação contra as bombas de calor e os substitutos da carne. A pseudocrítica reacionária da „dispendiosa“defesa do clima dos Verdes, compatível com o capital, é fácil. Mas não é suficiente. Afinal a „descarbonização“, num sistema económico orientado para o crescimento sem fim, não pode simplesmente funcionar. Novas mercadorias, como os automóveis eléctricos e as bombas de calor, não são realmente respostas para a crise climática capitalista, que é causada pela necessidade de valorização do capital. A crítica progressista dos Verdes só pode, portanto, ser formulada como um momento parcial da crítica do sistema, visando uma transformação do sistema que é necessária para a sobrevivência – tudo o resto faz o jogo da reacção fóssil.

Será ilusório querer desencadear um debate sobre a transformação e as alternativas do sistema, tendo em conta a hegemonia crescente da direita? Não, de todo: A realidade da crise climática capitalista, o evento climático extremo concreto, define o programa anti-capitalista, não a ilusão reacionária do pé no acelerador alemão. É de facto tempo de levar a sério a crise socio-ecológica do capital e de alinhar a prática da esquerda com ela. A dinâmica da crise conduzirá inevitavelmente o sistema a um processo de transformação, cujo resultado está em aberto.

Não tem necessariamente de conduzir ao fascismo e à barbárie. Para o evitar a esquerda terá de abordar activamente a inevitabilidade da transformação do sistema que se avizinha, especialmente em condições climáticas extremas, o que continua a ser tabu, apesar da manifesta crise climática capitalista. Sem um amplo debate transformacional, sem uma correspondente consciencialização da crise por parte da população, o processo de crise capitalista continuará a não ser reflectido e a transformar-se em barbárie.

A minha última publicação: o livro eletrónico „O fascismo no século XXI. Esboços da barbárie iminente“: https://www.konicz.info/2024/01/13/e-book-faschismus-im-21-jahrhundert/

Original “Vom Wetter reden” em konicz.info, 15.01.2024. Antes publicado em “Jungle World”, 11.01.2024. Tradução de Boaventura Antunes
https://jungle.world/artikel/2024/02/klimakrise-politiiserung-vom-wetter-reden

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