A ECONOMIA DE GUERRA DE PUTIN

A taxa de câmbio do rublo continua baixa, mas a economia russa está a estabilizar, apesar das sanções impostas pelos Estados ocidentais

26.08.2023, Tomasz Konicz

A economia russa, que há muito apresenta muitos traços de uma economia de guerra, emite actualmente sinais contraditórios. A queda da moeda russa contrasta com os dados económicos sólidos que apontam para uma estabilização económica da superpotência beligerante. Depois de uma recessão – o produto interno bruto (PIB) caiu 2,1% – em 2022 o Fundo Monetário Internacional (FMI) aumentou várias vezes a sua previsão de crescimento para a Rússia este ano – atualmente, 1,5%. Em contrapartida, o FMI prevê que a Alemanha se mantenha em ligeira recessão em 2023, com um declínio da produção económica de 0,3%.

A recuperação económica começou na primavera: Enquanto a Rússia no primeiro trimestre, com menos 1,9%, ainda estava em recessão, que começou com o início da guerra, no segundo trimestre registou-se um forte crescimento de 4,9% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Além disso, o desemprego oficialmente registado na Federação Russa caiu para 3,2% em maio, o nível mais baixo desde 1991, o que equivale efetivamente ao pleno emprego e torna plausíveis as previsões de um forte crescimento dos salários reais de 3,4% (apesar de a inflação dever atingir 6,5% este ano).

Estes bons dados económicos parecem, à primeira vista, contraditórios com a queda substancial do valor da moeda russa, que perdeu um valor considerável em relação ao dólar americano precisamente durante esta fase de retoma económica. No início do ano, um dólar americano custava entre 65 e 75 rublos. A taxa de câmbio caiu para cerca de 80 rublos em meados do ano, uma tendência que se intensificou em junho, julho e agosto, até o dólar custar 100 rublos. Após uma intervenção do banco central russo, que aumentou a taxa de juro de 8,5 para 12% em meados de agosto, a taxa de câmbio estabilizou-se, por enquanto, em cerca de 95 rublos.

Isto aproxima perigosamente a moeda russa dos mínimos históricos registados imediatamente após o início da invasão russa, em março de 2022, quando o choque inicial das sanções abrangentes dos Estados ocidentais em tempo de guerra fez a taxa de câmbio cair para 130 rublos por dólar. Depois disso, o Governo russo, através de medidas de apoio governamental e da diversificação das exportações de produtos de base, conseguiu estabilizar a moeda entre maio e dezembro de 2022 a uma taxa de 55 a 60 rublos por dólar, que era ainda mais elevada do que o nível anterior à guerra, de 70 a 75 rublos.

Como se articulam, então, a retoma económica e a descida do rublo? As perdas da taxa de câmbio – especialmente nas economias nacionais exportadoras de produtos de base da semiperiferia – indicam normalmente que a economia também está em declínio. Aqui as consequências económicas da mobilização para a guerra são particularmente esclarecedoras. A Rússia deve agora ser entendida como uma economia de guerra, mesmo que o governo ainda se esforce por manter uma fachada de normalidade civil – enquanto as novas leis de mobilização russas lançam as bases para uma nova escalada da guerra.

Após os fracassos e desastres da fase inicial da guerra, em que grande parte do equipamento militar russo foi destruído, o governo teve de expandir grandemente a produção do seu complexo militar-industrial para, pelo menos, começar a satisfazer a procura imensamente crescente na frente. A indústria militar russa é o único sector industrial competitivo a nível internacional no país, que foi largamente desindustrializado durante a fase de transformação pós-soviética da década de 1990. Pelo menos por enquanto, a guerra funciona como uma espécie de programa de estímulo económico, que também aumenta a procura de mão de obra. Para a baixa taxa de desemprego contribui a crise demográfica geral na Rússia, cuja população tem uma idade média em rápido crescimento, bem como as consequências da mobilização parcial, que afectou centenas de milhares de assalariados russos. As guerras conduzem frequentemente à escassez de força de trabalho.

Além disso, a elevada procura de matérias-primas, fontes de energia, géneros alimentícios de base e fertilizantes no mercado mundial garante a estabilidade das receitas em divisas. A Rússia não é apenas o maior exportador de gás do mundo e um dos principais fornecedores de petróleo. A Federação Russa é também um dos mais importantes produtores de níquel, carvão, urânio, cobre, alumínio e paládio. Além disso, pode esperar uma colheita recorde de cereais este ano, cuja exportação o governo há muito instrumentaliza para fins geopolíticos. Apesar das sanções ocidentais, todos estes factores contribuem para um afluxo estável de divisas, que provavelmente só se esgotaria no caso de uma grave queda dos preços no mercado mundial relacionada com a crise.

Mas, ao mesmo tempo, esta economia de guerra é simplesmente mantida pela acumulação de défices do Estado e não cria quaisquer efeitos consequentes duradouros, como aconteceria, por exemplo, no caso do investimento estatal no quadro da criação e expansão de novos ramos da indústria (por exemplo, no caso da produção automóvel do capitalismo na década de 1950). Mesmo o complexo militar-industrial da Rússia está doente e dependente da importação de componentes de alta tecnologia ocidentais ou chineses, pelo que estas importações a preços excessivos, induzidos por sanções, estão a pesar cada vez mais na balança comercial e de transacções correntes da Rússia.

De acordo com as estimativas do Banco Central russo, o excedente da balança de transacções correntes da Federação Russa nos primeiros sete meses deste ano foi de apenas 25,2 mil milhões de dólares americanos, em comparação com 165,4 mil milhões de dólares no mesmo período do ano passado. Os custos de transporte mais elevados e os descontos de preços que a Rússia tem de oferecer aos novos importadores de petróleo russo, como a China ou a Índia, conduziram a esta queda das receitas.

No mesmo período foi criado um défice orçamental significativo de 2,82 biliões de rublos (equivalente a 29,3 mil milhões de dólares americanos), o que corresponde a cerca de 1,8% do PIB da Rússia. No mesmo período do ano anterior, tinha sido gerado um excedente de 557 mil milhões de rublos. Contra o aumento de doze por cento das despesas orçamentais houve uma diminuição de 7,9 por cento das receitas.

Ao mesmo tempo há sinais crescentes de uma forte fuga de capitais da Rússia. De fevereiro de 2022 a junho de 2023, cerca de 253 mil milhões de dólares foram retirados da Rússia, de acordo com estimativas do Banco Central da Rússia. Só em 2022, as saídas de capital atingiram 239 mil milhões (incluindo saídas de 19 mil milhões antes do início da guerra), um montante equivalente a cerca de 13% do produto interno bruto da Rússia na altura. Este valor excedeu a fuga de capitais dos anos de crise de 2008 (crise financeira) e de 2014 (anexação da Crimeia), que foi de onze por cento do PIB em cada caso.

Estas saídas de capitais – tal como a desvalorização do rublo – são também expressão da crescente instabilidade devida à guerra do poder político no aparelho de Estado russo, cujos bandos e redes mafiosas competem cada vez mais entre si. O mais recente surto de desvalorização, de cerca de 80 a 100 rublos por dólar, teve início na segunda metade de junho, quando Yevgeny Prigozhin liderou a força mercenária Wagner, por ele fundada, numa revolta que expôs a fragilidade do regime de Putin.

No entanto, em última análise, seria errado esperar um colapso económico da guerra de agressão russa na Ucrânia. Os regimes autoritários e as ditaduras podem suportar muito mais dificuldades sociais e económicas do que as democracias capitalistas tardias em erosão – quanto mais não seja através da repressão pura e simples. É por isso que o fascismo se torna mais atrativo em tempos de crise.

Mas não se pode excluir um cenário que poderia tornar impossível a continuação da guerra de agressão russa: uma combinação de reveses militares e problemas de abastecimento, protestos e descontentamento devido a novas mobilizações, dificuldades sociais e económicas, bem como tensões internas. Uma vez que a Rússia, enquanto exportadora de energia e de produtos de base, depende da actividade económica dos seus parceiros comerciais, há outra incógnita nas previsões: o próximo surto de crise. Se a actual turbulência no mercado imobiliário chinês, que se encontra em dificuldades, se espalhar e forem afectadas grandes partes da semiperiferia, que depende do capital chinês, a Rússia também será indiretamente atingida em força.

Original “Putins Kriegswirtschaft” in konicz.info 26.08.2023. Antes publicado em Jungle World 34/2023. Tradução de Boaventura Antunes
https://jungle.world/artikel/2023/34/stabilitaet-der-russischen-kriegsoekonomie-putin-wirtschaft

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