NÃO ESTÁ TEMPO PARA PROTESTOS CLIMÁTICOS?

konicz.info, 22.11.2022

Como o tempo de Outono se relaciona com a actual repressão contra o movimento climático. Reflexões sobre a transformação da meteorologia em factor político.

Tomasz Konicz

Contra-insurgência preventiva – este termo algo esquecido tem sido utilizado pelos contextos de esquerda nos últimos anos para descrever as leis policiais que estão actualmente a ser usadas contra os activistas climáticos. Treze activistas da „Última Geração“ têm de suportar 30 dias de prisão na chamada prisão preventiva,1 porque de acordo com uma ordem judicial existe o perigo de poderem voltar a participar em acções de bloqueio em Munique.

O facto de as pessoas poderem acabar na prisão „preventivamente“ é um endurecimento relativamente novo do direito penal, que só foi introduzido à pressa pela CSU em 2018 como parte da Lei dos Deveres da Polícia da Baviera.2 Na altura, ainda houve protestos contra este endurecimento da lei por parte do Estado policial, que mina o princípio do Estado de direito burguês, segundo o qual os cidadãos só podem ser punidos com penas de prisão por crimes que tenham sido efectivamente cometidos. Várias organizações da sociedade civil apresentaram então uma queixa constitucional – em vão.3 Este regulamento sobre prisão preventiva, que originalmente não existia no direito penal da RFA por bons motivos, evoca simplesmente memórias da prisão preventiva dos nazis.

Nos últimos anos, a maioria dos Estados federais introduziu regulamentos semelhantes, que há muito se tornaram „normalidade“ no debate público que esqueceu a história.4 Na actual campanha repressiva e mediática contra os bloqueadores da „Última Geração“ pode assim ser estudada a interligação do endurecimento do direito penal, das tendências do Estado policial, do desmantelamento gradual da democracia e da natureza de crise do capitalismo tardio. É por isso que o termo „contra-insurgência preventiva“ é tão apropriado. Já há meia década atrás as elites funcionais capitalistas não confiavam no seu próprio sistema, tinham uma consciência de crise mais aguda do que grande parte da esquerda alemã cega à crise (o aparelho de Estado está assim a formar uma „consciência de crise“ autoritária e repressiva, inteiramente orientada para a manutenção da „ordem pública“ na crise permanente).5

Há muito que se discute um endurecimento do direito penal. O extremismo do centro está a fazer ondas.6 Os lobistas empresariais e políticos da CDU e do FDP estão a apelar a uma generalização da abordagem judicial bávara, para que, no futuro, os activistas do clima possam generalizadamente ser detidos durante 30 dias.7 A CSU está entretanto a fabricar uma „Fracção do Exército Vermelho climática“,8 enquanto o Ministro da Justiça „liberal“ Marco Buschmann (FDP) está a considerar em voz alta as penas de prisão para os manifestantes do clima.9 Estes avanços repressivos estão integrados numa campanha dos media de direita, na qual os activistas climáticos são responsabilizados por acidentes de trânsito nos engarrafamentos surgidos das acções de bloqueio.10 A isto juntam-se os inquéritos agressivamente difundidos nos media, segundo os quais uma grande parte da população rejeita as formas de protesto da „Última Geração“.11

Trata-se obviamente de uma campanha dos habituais suspeitos da direita, desde Springer („Anarquistas do clima!“),12 à CDU/CSU („Cinco anos de prisão!“) até à AfD („Proibir tudo!“), contra os activistas climáticos,13 campanha que também está simplesmente a aproveitar a oportunidade para enfraquecer permanentemente o movimento climático e estabelecer instrumentos permanentes de repressão o mais rapidamente possível. É a altura certa para isso – porque está frio. Com o tempo de Outono e a guerra na Ucrânia, as preocupações com os custos do aquecimento e com a economia cambaleante estão a deslocar os receios da catástrofe climática. O Verão de horrores deste ano é simplesmente esquecido pela população, que tem uma memória pública de algumas semanas graças aos contínuos bombardeamentos da indústria cultural. A variedade de distorções ecológicas, sociais e políticas em que a crise sistémica capitalista14 se manifesta rapidamente leva à desorientação e a um verdadeiro „saltitar da crise“, na medida em que as causas sistémicas da crise15 permanecem ocultas.

No Verão passado, no hemisfério norte, quando os rios da Europa estavam secando, os incêndios eram violentos e o calor ceifava cada vez mais vidas,16 tal acção contra o movimento climático teria sido impossível. As maiorias geradas pelas campanhas de difamação, que agora se manifestam por detrás de apelos a penas mais duras, simplesmente não se teriam materializado quando a República Federal sofria da agora habitual onda de calor e da estação dos fogos estival (o antigo Verão). Com uma campanha de repressão em Novembro, ou seja, na estação escura antes chamada „Outono“, após temperaturas agradáveis muito acima das médias históricas terem prevalecido em Outubro17 , a direita está simplesmente a aproveitar uma janela de oportunidade para criar factos novos e autoritários. A desdemocratização e a prática de novos métodos de repressão têm de ser estabelecidas antes que o próximo evento climático extremo, a próxima vaga de calor e a próxima seca recordem às pessoas com toda a força que a catástrofe climática continua avançando alegremente.

O tempo que faz tornou-se assim um factor político – há simplesmente vantagens em ter em conta a meteorologia em questões relevantes. Isto deve-se principalmente ao facto de que a cadeia de argumentação de décadas, segundo a qual o clima e o tempo que faz são duas coisas diferentes, já não se pode manter. A crise climática manifesta-se demasiado claramente em fenómenos climáticos concretos para que esta meia verdade, que os negacionistas do clima gostam de instrumentalizar, seja eficaz (nem um único evento meteorológico extremo se identifica como consequência da crise climática). A repressão do movimento climático tem de ocorrer numa altura do ano em que as pessoas estão preocupadas em como aquecer as casas sem ir à falência.

Este cálculo político do tempo que faz, no entanto, é um factor objectivamente dado, uma alavanca política que está a tomar forma no avanço da crise climática, que também pode ser accionada pelas forças progressistas. A próxima época de incêndios, calor e seca está prestes a chegar, o que inevitavelmente trará a agora catastrófica crise climática para o centro do debate público. E estas serão as condições climatéricas em que o movimento climático pode passar à ofensiva, em que a maioria das pessoas que não têm ar condicionado terão naturalmente muita simpatia por formas radicais de protesto. O tempo que faz tornou-se assim altamente político. Todos irão falar sobre o assunto,18 incluindo-o como um factor importante nos seus cálculos políticos e no planeamento activista. And the joke is on you, caros protagonistas de 68, juntos com a anacrónica esquerda redistribuicionista social-democrata.19

É por isso que as referências aos números actualmente maus dos índices de popularidade do movimento climático, com os quais os media da esquerda-liberal ou os „gestores do movimento“ do Partido de Esquerda20 querem dissuadir os bloqueadores do clima das suas formas de protesto que perturbam as operações capitalistas quotidianas, perdem o cerne desta dinâmica meteorológica política. A conversa sobre o „mau serviço“ que a „Última Geração“ estará a prestar à política climática é oca. A crise climática continuará a avançar completamente indiferente à opinião do cidadão alemão sobre o clima, o que também fará com que o humor da população literalmente se vire – à semelhança dos pontos de viragem climáticos do sistema climático global. Já a devastadora catástrofe das cheias na Alemanha Ocidental e na Baviera, que atingiu a República Federal em 2021 em plena campanha eleitoral, pode certamente ser entendida como um factor político que deu um impulso aos „Verdes“.21

À medida que a crise climática avança, o movimento climático continuará a ganhar terreno – e a razão simples para isso é que o capitalismo, devido à sua compulsão de crescimento e valorização,22 não está simplesmente em condições de lidar com a crise climática de modo nenhum.23 O capital é o valor que a si próprio se valoriza. É o dinheiro que tem de tornar-se mais dinheiro através da queima de energia e de matérias-primas na produção de mercadorias. Pode adaptar-se a quase tudo, excepto a si próprio. É por isso que as emissões de CO2 continuam a aumentar a nível mundial, sendo este aumento das emissões apenas brevemente interrompido por crises económicas mundiais.

A colagem às ruas praticada pela „Última Geração“ é uma forma de protesto nascida da coragem do desespero, e contrasta com a ingenuidade política quase desarmante do grupo, que faz simples apelos aos responsáveis políticos para resolverem afinal a crise climática. Mesmo o Gabinete para a Protecção da Constituição, apesar da actual campanha da direita, simplesmente teve de declarar que este grupo não é „extremista“ porque simplesmente „apela aos responsáveis para agirem“.24 O problema com esta abordagem, contudo, é que os responsáveis políticos não estão em posição de enfrentar sensatamente a crise climática, devido às contradições sistémicas capitalistas acima mencionadas.

Sem a transformação do sistema, sem ultrapassar a compulsão de crescimento do capitalismo, é impossível combater a crise climática. O capitalismo é incapaz de prosseguir uma política climática eficaz. Esta simples ligação, que tem sido tematizada pela crítica do valor há anos, chegou entretanto até ao TAZ,25. Em vez de promover a divisão do movimento climático, dividindo-o em „boas“ e „más“ formas de protesto, será importante, por um lado, generalizar esta consciência de crise radical no movimento climático, a fim de ultrapassar a discrepância entre as formas radicais de protesto e as exigências ingénuas.

E, por outro lado, o foco das forças progressistas e emancipatórias terá de ser a luta contra as tendências repressivas e pós-democráticas no Estado e na política. A luta para manter os espaços de manobra democráticos que vêm encolhendo por causa da crise é necessária, para que a procura de alternativas sistémicas à crise capitalista permanente não acabe por ser classificada como „extremista“ e objecto de „prisão preventiva“; pelo menos o tempo que faz é provável que continue a fazer o jogo dessa tentativa, infelizmente.

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1 https://www.tag24.de/thema/klimaaktivisten-letzte-generation/letzte-generation-aktivist-im-hungerstreik-er-sitzt-in-praeventivhaft-in-der-jva-muenchen-2665880

2 https://netzpolitik.org/2019/bayerisches-polizeigesetz-19-personen-wochenlang-in-praeventivgewahrsam/

3 https://freiheitsrechte.org/themen/freiheit-im-digitalen/baypag

4 https://de.wikipedia.org/wiki/Unterbindungsgewahrsam

5 https://www.konicz.info/2020/12/09/der-linke-bloedheitskoeffizient/

6 https://www.konicz.info/2022/10/27/radikalitaet-vs-extremismus/

7 https://rp-online.de/politik/deutschland/letzte-generation-cdu-wirtschaftsrat-will-30-tage-gewahrsam_aid-79611979

8 https://www.stern.de/politik/heutewichtig/letzte-generation-terroristen-oder-klimaschuetzer–podcast-heute-wichtig-32900218.html

9 https://www.fr.de/politik/letzte-generation-justizminister-buschmann-denkt-ueber-gefaengnisstrafen-fuer-klimaaktivistinnen-nach-91889060.html

10 https://www.focus.de/politik/deutschland/kommentar-von-hugo-mueller-vogg-die-letzte-generation-hat-eine-grenze-ueberschritten-keine-gnade-mehr_id_174163868.html

11 https://www.rtl.de/cms/letzte-generation-umfrage-zu-klimaprotesten-das-denken-die-deutschen-ueber-den-aktivismus-5015178.html

12 https://www.bild.de/politik/kolumnen/kolumne/abrechnung-mit-letzte-generation-klima-kleber-verachten-die-demokratie-81864598.bild.html

13 https://www.sueddeutsche.de/politik/klimaaktivisten-strafen-bundestag-1.5693799

14 https://konkret-magazin.shop/texte/konkret-texte-shop/66/tomasz-konicz-kapitalkollaps

15 https://www.konicz.info/2022/06/25/schuldenberge-im-klimawandel/

16 https://www.konicz.info/2022/06/21/hitzetod-in-der-klimakrise/

17 https://www.wetter.de/cms/wetter-in-deutschland-oktober-2022-saharaluft-und-spaetsommer-besiegeln-rekord-herbst-5014077.html

18https://de.wikipedia.org/wiki/Alle_reden_vom_Wetter._Wir_nicht.#Sozialistischer_Deutscher_Studentenbund

19 https://www.pinterest.com/pin/670121619528150440/

20 https://www.berliner-zeitung.de/politik-gesellschaft/klaus-lederer-kunst-zu-gefaehrden-ist-verantwortungslos-li.282317

21 https://www.kreiszeitung.de/politik/beeinflusst-die-flutkatastrophe-die-bundestagswahl-2021-90885052.html

22 https://www.konicz.info/2018/06/06/kapital-als-klimakiller/

23 https://www.mandelbaum.at/buch.php?id=962

24 https://www.spiegel.de/politik/deutschland/letzte-generation-verfassungsschutzpraesident-stuft-klimaaktivisten-nicht-als-extremistisch-ein-a-39e52dc0-ef10-4ebd-83f1-9545b669d553

25 https://www.deutschlandfunk.de/ulrike-herrmann-sieht-kapitalismus-am-ende-100.html

Original “Kein Wetter für Klimaproteste?” em konicz.info, 18.11.2022. Tradução de Boaventura Antunes

Kein Wetter für Klimaproteste?
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