No Limite

konicz.info, 20.04.2022

O Clube de Roma apresentou há 50 anos o seu famoso estudo sobre o futuro da economia mundial

Tomasz Konicz, Tradução de Boaventura Antunes

Não há provavelmente estudo tão ambivalente como The Limits to Growth, publicado pelo Clube de Roma em 1972. Traduzido em 37 línguas, com uma circulação de mais de 30 milhões de exemplares, o estudo, lançado em forma de livro, deu clara expressão a um maciço sentimento sombrio, a um amplo mal-estar no final do boom fordista do pós-guerra – e estava simplesmente errado em muitas das suas suposições e conclusões.

Report for the Club of Rome’s Project on the Predicament of Mankind, subtítulo oficial do bestseller, com a sua central declaração sobre a finitude dos recursos, apoiou o movimento ecológico, transmitindo ao mesmo tempo a ideologia reaccionária do malthusianismo. O estudo também deixou a sua marca na produção da indústria cultural dos anos setenta. Numerosos filmes distópicos foram feitos durante este período, tais como o clássico “Soylent Green”.

Estudos como Os Limites do Crescimento emergem quando as elites funcionais capitalistas – e era o caso do Clube de Roma, fundado em 1968 pelo capitalista italiano Aurélio Peccei – pensam criticamente, para além do horizonte temporal dos negócios. O estudo, desenvolvido no Instituto de Tecnologia de Massachusetts com a ajuda de modelos cibernéticos assistidos por computador, foi cofinanciado pela Fundação Volkswagen com um milhão de marcos alemães, apresentado ao público numa série de conferências de alto nível e rapidamente popularizado graças a uma hábil campanha publicitária por parte dos clientes muito bem relacionados. Dá expressão ao mal-estar ecológico emergente sem questionar o capitalismo, o que também é evidente nas recomendações por vezes confusas de acção: Segundo elas, múltiplas „aspirações humanas“ estão a conduzir à crise de recursos e de sobrepopulação, que já não poderia ser resolvida com „medidas puramente técnicas, económicas ou jurídicas“, tornando necessárias „abordagens inteiramente novas“, que teriam de visar „estados de equilíbrio em vez de mais crescimento“.

Foram provavelmente formulações assim vagas que também promoveram o sucesso mundial do livro: todos poderiam aceitar o livro, concordar abstractamente com os lugares comuns sem se sentirem incomodados nem obrigados a fazer nada. A burguesia de esquerda-liberal estabelecida, em particular, adora este bálsamo para a alma sem compromisso, como ilustrado pelas manchetes do “Die Zeit” („A Terra Primeiro“) ou do austríaco “Standard” („A Difícil Procura de um Equilíbrio“) por ocasião do 50º aniversário de Os Limites do Crescimento.

O núcleo positivista do estudo é formado por cenários futuros que se estendem até ao século XXI, prevendo o colapso da sociedade devido à sobreexploração de recursos finitos. As conclusões afirmam que o contínuo „aumento da população mundial, industrialização, poluição, produção alimentar e exploração dos recursos naturais“ levaria a que os „limites absolutos do crescimento na Terra fossem atingidos no decurso dos próximos cem anos“, resultando num „declínio bastante rápido e imparável da população e da capacidade industrial“. Os limites da capacidade ecológica da Terra continuariam a diminuir devido à exploração excessiva dos recursos, e a população aumentaria devido a um efeito de inércia, até que este desenvolvimento levasse ao „colapso“.

Na introdução, os autores do estudo elogiam os seus então novos modelos de „natureza formal e matemática“, que foram alimentados com dados cuidadosamente recolhidos e depois extrapolados para as próximas décadas, utilizando computadores cuja modesta capacidade computacional é agora muito ultrapassada por qualquer smartwatch. Os componentes individuais dos modelos, tais como desenvolvimento populacional, taxa de natalidade, produção industrial, alimentação e consumo de recursos nem sequer são percebidos como fenómenos sociais nas suas contradições internas, mas entram no cálculo como factores reificados, como meros valores de crescimento e valores numéricos. O capital como dinâmica destrutiva desaparece num positivista mar de números, até o crescimento económico aparecer como mera consequência do crescimento populacional.

O estudo Os Limites do Crescimento foi de facto pioneiro. De certa maneira, foi o precursor dos inúmeros estudos de modelos assistidos por computador, que desde então têm sido produzidos diariamente pela comunidade científica; e que nas últimas décadas têm sido tão terrivelmente envergonhados no prognóstico das alterações climáticas, uma vez que a dinâmica destas, caracterizada por pontos de viragem, foi irresponsavelmente subestimada. Em termos ideológicos, porém, antecipou também a ambivalência do movimento ecológico, que sempre teve um flanco aberto ao reaccionário. Isto torna-se claro sempre que o „ser humano“ em si mesmo é considerado responsável pelos custos ecológicos do funcionamento do capitalismo tardio.

Além disso, da perspectiva actual, é claro que uma hipótese básica central de Os Limites do Crescimento está simplesmente errada: não é apenas a finitude dos recursos naturais que constitui os limites ecológicos externos do movimento de valorização do capital, mas também a estabilidade climática global. O petróleo e o carvão continuam a ser extraídos maciçamente, apesar dos custos crescentes da extracção, enquanto a crise climática se agudiza e os pontos de viragem globais do sistema climático estão a ser atravessados. A correcta conclusão do Clube de Roma, que marcou uma época, de que o crescimento sem fim é impossível num mundo finito está baseada em falsas premissas.

Finalmente, um olhar atento sobre o desenvolvimento populacional das últimas décadas mostra como o Clube de Roma estava errado ao ligar o crescimento económico ao crescimento populacional. O maior aumento no consumo de recursos nas últimas décadas não ocorreu nos países da periferia, que registaram o maior crescimento populacional, mas nos centros ocidentais do sistema mundial e em países emergentes como a China, que passaram por uma modernização capitalista precária – com taxas de natalidade estagnadas. Assim a crescente queima de recursos não é expressão do crescimento populacional, mas do movimento de valorização sem limites do capital, que na sua dinâmica de „sujeito automático“ funciona de facto como uma máquina de queimar o mundo. A propósito, o Clube de Roma continua a aderir à ideologia de um maltusianismo industrial que liga crescimento da população e crescimento económico. Em 2016, o círculo de elite propôs pagar às mulheres sem filhos 80.000 dólares americanos no seu 50º aniversário.

À percepção ideologicamente distorcida dos limites ecológicos do capital, que apesar de tudo permanece o mérito histórico do estudo, correspondeu desde o início a uma crítica errónea, por vezes reaccionária. Não foi só o economista e Prémio Nobel Paul A. Samuelson que negou categoricamente a existência de limites do crescimento, sendo que a capacidade de inovação técnica do capital e a regulação do mercado através do mecanismo dos preços se oporiam à ideia, então ainda perturbadora, de um limite ecológico ao crescimento capitalista. E foi precisamente a referência ao fundamento ideológico do estudo, o malthusianismo, juntamente com a habitual crítica a ideias supostamente apocalípticas, que permitiu que muitos media também ignorassem a conclusão do relatório. A „Spiegel“, por exemplo, desmontou o estudo como uma „visão apocalíptica de computador“, e a „Economist“, referindo-se a Malthus, escreveu sobre uma „marca de nível de uma inundação de disparates à moda antiga“.

A crítica de esquerda ao Clube de Roma também permaneceu frequentemente truncada; concentrou-se principalmente em indicações de que o estudo ignorava as consequências sociais da prevista crise de recursos, e teria escamoteado questões de poder e de classe relativamente à distribuição global dos recursos. Mas não produziu uma crítica fundamental das contradições sócio-ecológicas do processo de valorização. Esta linha tradicional de uma pseudo-oposição de esquerda por vezes abertamente reaccionária, que recua perante a crítica categorial da socialização capitalista, estende-se até ao presente.

Em vez de questionar radicalmente a mania do crescimento capitalista, a questão social é discutida contra a questão climática – cada vez mais frequentemente em solidariedade com a demagogia social da Nova Direita – ou então o debate em atraso sobre uma transformação do sistema é bloqueado por debates de distribuição social-democratas e sem sentido. O conto de fadas do „capitalismo verde“ é contrariado pela adesão obstinada ao autodestrutivo capitalismo fóssil.

No ano „distópico“ de 2022, a loja online Soylent.com, que vende um concentrado alimentar que supostamente cobre todas as necessidades nutricionais do parolo stressado, mostra como o capital sabe lidar com a crítica truncada. O Soylent verde está disponível com sabor a chocolate e hortelã-pimenta.

Original “Am Limit. Vor 50 Jahren legte der Club of Rome seine berühmte Studie zur Zukunft der Weltwirtschaft vor” in: www.exit-online.org, 16.04.2022. Originalmente publicado em Konkret 3/2022. O texto foi ligeiramente alterado para publicação na homepage da exit!. Tradução de Boaventura Antunes

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