O LUCRO OU O PLANETA?

PROTESTO CLIMÁTICO E CRÍTICA DO CAPITALISMO

Por Tomasz Konicz, 24.11.2021, Tradução de Boaventura Antunes
Na coligação-semáforo de Berlim, tal como na conferência sobre o clima em Glasgow, é mais uma vez evidente que o capitalismo e a protecção do clima são incompatíveis, comenta o nosso autor. Assim, os movimentos sociais precisam finalmente de uma perspectiva clara para uma enorme transformação.
Thekla Walker parece um pouco infeliz. Embora Greta Thunberg já tivesse declarado a conferência sobre o clima em Glasgow um fracasso no início de Novembro, (1) na semana passada a Ministra Verde do Ambiente de Baden-Württemberg também tirou uma conclusão sóbria: „Os esforços acordados não são suficientes para atingir a meta de 1,5 graus“, disse ela declarando o óbvio, e apelou aos países para apertarem os seus planos de protecção do clima, „esperando muito que este trabalho de casa seja feito“ – como se estivesse a dirigir-se às crianças da escola. No entanto, Walker também encontra palavras mais sérias. É necessária uma maior ambição „se quisermos deixar um planeta habitável para os nossos filhos e netos“.

Há muito tempo que não faltam avisos drásticos. Mas enquanto uma conferência climática falha atrás da outra, as emissões globais de gases com efeito de estufa continuam a aumentar devido à compulsão do crescimento da economia mundial capitalista. A redução induzida pela pandemia em 2020 foi entretanto quase revertida (2) e, de acordo com as previsões, um novo recorde global de emissões de CO2 será atingido o mais tardar em 2023 (3). Ao mesmo tempo, a coligação-semáforo em formação está a tentar frustrar todas as esperanças da política climática já nas negociações: Mesmo um limite de velocidade está fora de questão, os caminhos-de-ferro poderão ser desmantelados e privatizados, e Amarelos e Verdes estão por igual totalmente empenhados na economia de mercado.
Então o que pode o movimento climático ainda fazer face à crise climática que avança rapidamente? A resposta parece óbvia: A pressão extra-parlamentar sobre os decisores políticos deve ser mantida, a fim de evidenciar o escândalo do abismo entre a necessidade da política climática e a realidade capitalista tardia. Para Charlotte von Bonin, por exemplo, activista das “Sextas-feiras pelo futuro” de Estugarda, a conferência de Glasgow „deveria ter sido o prelúdio para uma mudança radical“. A jovem de 24 anos disse à Kontext: „Penso que posso falar por todo o movimento pela justiça climática quando digo que estamos extremamente desapontados com os resultados.” Ela considera particularmente má a rapidez com que todos passam à ordem do dia e às suas rotinas ritualizadas: „O facto de já não ser uma grande notícia que as medidas necessárias para a preservação de meios de subsistência intactos não possam ser decididas é assustador“. Ela tirou a conclusão de „que não podemos confiar nos parlamentos, mas devemos continuar a lutar“.
Não há alternativa à luta pelo clima
Mas obviamente que não basta pressionar a política no quadro de uma conferência climática, como provam as emissões em constante aumento, que até agora só terá podido ser interrompido no curto prazo por crises económicas – o movimento climático terá finalmente de ser enriquecido com uma clara perspectiva de transformação. Todos os partidos no Bundestag em Berlim, todos os representantes do governo na conferência em Glasgow estão empenhados em limitar o aquecimento global. Politicamente, o movimento „Sextas-Feiras pelo Futuro“ simplesmente ganhou, uma vez que a protecção do clima é consensual. No entanto, medidas eficazes têm falhado durante décadas – porque este fracasso é sistémico.
Simplesmente não há alternativa a uma luta radical pelo clima, porque o capital, deixado à sua própria dinâmica de crescimento selvagem, conduzirá o mundo ao colapso social e ecológico. No final, todo o horror capitalista é precisamente o facto de ninguém estar sentado atrás da cortina a puxar os cordelinhos. Ninguém tem controlo sobre o movimento de valorização do capital a nível da sociedade como um todo: ele ocorre de uma forma mediada pelo mercado, como um processo em que o dinheiro tem de tornar-se mais dinheiro através da produção de mercadorias. Mesmo os capitalistas mais poderosos estão à mercê desta compulsão objectiva, que Karl Marx conceptualizou como fetichismo social. Isto é especialmente evidente na crise climática, que ameaça a base para a realização de negócios juntamente com o processo de civilização.
A aporia sistémica da protecção do clima dentro do capitalismo foi resumida em Março deste ano por Winfried Kretschmann, o Ministro-Presidente Verde de Baden-Württemberg, quando admitiu à imprensa durante um passeio em Sigmaringen: „A acusação de que somos demasiado lentos é verdadeira. E que temos de mudar isso também é verdade. Gostaria apenas de saber como“.
It’s the system, stupid!
„Antes de começar a envolver-me no movimento pela justiça climática“, relata a activista von Bonin, „não pensava muito nas críticas do sistema“. Mesmo antes disso, diz ela, andava por aí no meio onde se falava dos efeitos nocivos do capitalismo. „Mas foi apenas através do confronto intensivo com temas como a crise climática e a destruição ambiental, mas também com a extrema injustiça global em questões económicas, que se tornou cada vez mais claro para mim que um sistema com uma compulsão de crescimento infinito não pode durar para sempre“.
Na realidade, é evidente que as alterações climáticas provocadas pelo ser humano são em grande parte causadas pelo sistema social em que as pessoas são forçadas a viver. O capitalismo tardio altamente endividado queima quantidades cada vez maiores de matérias-primas e fontes de energia. Este facto, que pode ser provado empiricamente através da análise das correspondentes estatísticas globais de CO2 das últimas décadas, é óbvio – mas é tabu no discurso político-mediático, com uma veemência quase histérica. Recentemente, Bernd Riexinger, sindicalista de Estugarda e antigo presidente do Partido da Esquerda, teve de aprender isto quando tweetou: „Para salvar o clima, temos de vencer o capitalismo!” – e seguiu-se uma tempestade de merda.
A fúria efervescente contra todos aqueles que exigem alternativas ao culto da morte do capitalismo que está a queimar o mundo, alternativas necessárias à sobrevivência, é expressão da hegemonia ideológica do capital, que está a diminuir devido à crise. Em tempos de estabilidade sistémica – quando o abismo para o qual o sistema se dirigia ainda não era geralmente visível – ninguém se importava se os funcionários sindicais ou os Jovens Socialistas do SPD questionavam o capitalismo. Mas este é precisamente o debate que precisa de ser continuado: A luta climática tem de ser entendida e propagada como um momento parcial de uma luta de transformação.
O primeiro passo é contar às pessoas a verdade não retocada da forma mais clara possível: Que a crise climática não pode ser ultrapassada no interior do capitalismo, que as coisas vão piorar muito mais desde já, que terão de abandonar o modo de vida a que estão habituadas, que o capital está a roubar à civilização humana os seus fundamentos ecológicos vitais. Numa frase: nada permanecerá como está.
O resultado está em aberto
No seu livro „Utopistics“, (4) o sociólogo Immanuel Wallerstein já previa um período de transição stressante no início do século XXI – mas também uma fase „em que o factor do livre arbítrio será aumentado ao máximo, o que significa que cada acção individual ou colectiva terá um efeito na reconstrução do futuro maior do que em tempos normais, ou seja, durante a continuação de um sistema histórico“.
É assim crucial conduzir este processo de transformação numa direcção de progresso – pensando em termos de desenvolvimentos de crise que são gradualmente levados a um ponto de ruptura pelas contradições da relação de capital, a fim de criar as melhores condições sociais para uma transformação emancipatória, em antecipação dos enormes choques futuros. O processo de crise que se desenrola nas costas dos sujeitos pode encontrar sociedades muito diferentes: igualitárias, ecológicas e democráticas, ou oligárquicas, fósseis e autoritárias. Isto também predetermina a frente central antifascista na luta de transformação, uma vez que a Nova Direita, juntamente com a frente transversal alemã – o espectro político desde a AfD e os pensadores transversais até aos esquerdistas de Wagenknecht – com a sua fanática personalização das causas sistémicas da crise actua como sujeito da ameaça de barbarização.
A tematização aberta da necessária ultrapassagem da relação de capital, portanto, tem de caracterizar não só as acções do movimento climático, mas também o trabalho da maioria dos movimentos sociais como um desafio interseccional, seja em lutas salariais e laborais, em manifestações contra o desmantelamento da democracia ou em lutas defensivas contra cortes sociais e privatizações. O objectivo de uma luta assim conscientemente conduzida, aparentemente imanente ao sistema, muda quando ela é entendida como fase inicial da luta de transformação.
Desenvolver a socialização pós-capitalista
O caminho torna-se o objectivo: a auto-organização das pessoas em movimentos de oposição teria assim de ser levada a cabo pelo esforço de desenvolver momentos de uma socialização pós-capitalista. As formas de organização em resistência à crise ecológica e social podem por vezes já conter formas embrionárias.
Como Charlotte von Bonin relata, há um desejo crescente entre as pessoas com preocupações climáticas de „experimentar outras formas de vida em conjunto e testar utopias“, por exemplo, no Dannenröder Forst. „Estes são eventos livres da lógica da troca, com uma cozinha comunitária vegan e baseada em donativos. Queremos romper com os papéis clássicos de género aqui, trabalhar juntos sem hierarquias e encontrar decisões tão consensualmente quanto possível em plenários“.
Em tais formas de protesto, já surge o processo de compreensão duma reprodução social global não determinada pela pressão do lucro nem por um crescimento sem limites, o que é necessário para a sobrevivência. Além disso, o esforço para moldar os movimentos de oposição imanente ao sistema como espaços abertos de debate deve ser central. O discurso da crise, que hoje dificilmente é possível ao nível da sociedade no seu conjunto, tem pelo menos de poder ser conduzido em nichos.
Sacudir a autodinâmica cega da relação de capital, que utiliza a sociedade bem como os ecossistemas apenas como material para o seu movimento de valorização, não é na realidade um esboço de utopia, mas um programa mínimo racional que só aparece como utopia tendo em conta as suas difíceis possibilidades de realização. A emancipação neste contexto significa simplesmente que a humanidade consegue moldar a reprodução social num processo consciente – mas mesmo isto estaria repleto de contradições e conflitos, que também interagiriam com as consequências da escalada do aquecimento global.
A crise ecológica só pode ser contida se o amoque fetichista do capital for passado à história antes de destruir completamente os fundamentos ecológicos e sociais da civilização humana. No entanto, as condições técnicas e materiais para estabelecer uma vida que satisfaça as necessidades básicas de todas as pessoas em todo o mundo já estão objectivamente dadas hoje.
(1) https://www.bbc.com/news/uk-scotland-glasgow-west-59165781
(2) https://ihsmarkit.com/…/global-co2-emissions-to-rise-by…
(3) https://www.cnbc.com/…/co2-emissions-will-hit-record…
(4) https://www.perlentaucher.de/…/immanuel…/utopistik.html ; https://pt.wikipedia.org/wiki/Immanuel_Wallerstein…
Original Klimaprotest und Kapitalismuskritik – Profit oder Planet?. Publicado em Kontext-Wochenzeitung, 556, 24.11.2021. Tradução de Boaventura Antunes

https://www.konicz.info/?p=4637

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