INUNDAÇÃO DE DINHEIRO COMO MODO DE CRISE

A política monetária expansionista tem de ser continuada apesar do aumento da inflação
Os efeitos económicos desastrosos da pandemia de Covid 19 levaram a Fed dos EUA e o Banco Central Europeu a prosseguir uma política monetária expansionista. Agora a taxa de inflação está a aumentar.
Tomasz Konicz, 14.10.2021, Tradução de Boaventura Antunes

De ambos os lados do Atlântico, os banqueiros e os responsáveis pela política económica estão preocupados com uma questão acima de tudo: Durante quanto tempo pode continuar a ser injectada liquidez nos mercados sem que os efeitos secundários negativos desta política monetária expansionista ultrapassem os efeitos positivos pretendidos? Desde o surto da pandemia, a Reserva Federal dos EUA (Fed) e o Banco Central Europeu (BCE) voltaram ao modo de crise de que tinham saído há poucos anos, na sequência da crise financeira e económica mundial de 2008. Através da chamada flexibilização quantitativa (quantitative easing, QE), os bancos centrais compram todos os meses dívida pública ou obrigações de empresas para apoiar os mercados financeiros e estimular a economia.

Em última análise, trata-se aqui de emitir dinheiro. A „liquidez“ recentemente injectada faz subir os preços nos mercados financeiros e impulsiona a procura com base no consumo público – enquanto os bancos centrais se transformam em lixeiras do sistema financeiro mundial. O resultado desta emissão monetária de facto é que o total do balanço do BCE subiu de 1,1 biliões de euros em 2007 para 8,2 biliões entretanto; a Reserva Federal dos EUA detém actualmente „títulos“ avaliados em 8,4 biliões de dólares americanos.
E a flexibilização quantitativa continua por enquanto: a Fed compra títulos do Estado e obrigações hipotecárias no valor de 120 mil milhões de dólares todos os meses, no BCE o programa de compra lançado aquando do surto da pandemia ascende a cerca de 1,85 biliões de euros, e são compradas obrigações do Estado e obrigações de empresas até 88 mil milhões de euros todos os meses.
Os programas de flexibilização quantitativa tornaram-se necessários após o surto da crise económica mundial em 2007/2008 para estabilizar o sistema financeiro mundial, uma vez que a política económica neoliberal clássica – baixar as taxas de juro básicas – se tinha tornado impossível, com taxas de juro de facto zero. Desde então, a emissão monetária tornou-se um instrumento indispensável da política monetária capitalista. Mas, tendo em conta o aumento da inflação e a instabilidade dos mercados inundados de capital em busca de investimento, há cada vez mais vozes a apelar ao fim da grande inundação de dinheiro.
Nos EUA, uma redução no âmbito da política de QE está de facto em agenda para Novembro próximo, e as primeiras subidas de taxas de juro foram prometidas para 2022. Com uma previsão de crescimento de 5,9% este ano, espera-se que a inflação suba para 4,2% – em Junho, a Fed ainda estava a assumir uma inflação de apenas 3,4%. No entanto, os fracos dados do mercado de trabalho, onde o número de empregos recém-criados permaneceu muito abaixo das previsões pelo segundo mês consecutivo, lançaram dúvidas sobre a subida das taxas de juro pretendida em Setembro. Além disso, os mercados financeiros já parecem estar a reagir à ameaça de não haver mais injecções de liquidez por parte da Fed, uma vez que os três principais índices de acções dos EUA (Dow, S&P, Nasdaq) registaram as suas maiores perdas em Setembro desde o pânico no início da pandemia.
No BCE, por outro lado, no contexto de uma taxa de inflação de cerca de 3,4% em Setembro, está a ser discutida a continuação dos actuais programas de aquisição. As frentes são semelhantes às da crise do euro, quando o governo alemão quis impor uma política monetária rigorosa enquanto o então presidente do BCE, Mario Draghi, em linha com os países do sul da UE, contrariou a austeridade alemã com a sua política de taxa de juro zero e amplas injecções de liquidez – e salvou a zona euro de se dividir. Se o actual programa de QE expirasse sem um sucessor, haveria não só a ameaça de uma recessão económica nos Estados do sul da UE, mas também uma fuga das obrigações dos países do sul da zona euro, o que faria aumentar os seus custos de financiamento.
Mas, em ambos os casos, coloca-se simplesmente a questão de saber se a política de crise do capitalismo tardio, apesar do aumento da inflação, ainda consegue passar sem emitir dinheiro, o que – com breves interrupções – tem caracterizado a política monetária de ambos os lados do Atlântico desde 2008. O „dinheiro livre“ dos bancos centrais actua como um motor económico através da compra de obrigações do Estado, e estabiliza os mercados financeiros, que têm conseguido disparar. A este respeito, não há diferença fundamental entre o Ocidente e a China: de ambos os lados do Pacífico, a economia também está a funcionar a crédito. Neste sentido, os EUA são actualmente ainda mais estatistas do que a China, cuja bolha especulativa no mercado imobiliário actuou como um motor económico, enquanto que os EUA podem permitir-se um défice orçamental de 13% do produto interno bruto graças ao dólar e à Fed.
Original “Geldflut als Krisenmodus” in: https://www.konicz.info/?p=4586. Publicado na Jungle World 2021/41, 14.10.2021. Tradução de Boaventura Antunes
https://www.konicz.info/?p=4586

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