A Rússia não tem pressa


São poucas as hipóteses de as conversações russo-ucranianas iniciadas em Istambul conduzirem a uma paz rápida ou mesmo justa

Tomasz Konicz, 25.05.2025

A gravidade da situação militar na Ucrânia fica clara pelo facto de ter sido possível realizar conversações de paz entre Kiev e Moscovo em Istambul. Ainda em 10 de Maio, os quatro chefes de Estado e de governo europeus, que viajaram à capital ucraniana num gesto de solidariedade, exigiram, juntamente com o seu homólogo Zelensky, um cessar-fogo de 30 dias como pré-condição para quaisquer conversações. Este cessar-fogo incondicional e abrangente daria «uma oportunidade à diplomacia», exigiu Zelensky na presença do primeiro-ministro britânico Starmer, do presidente francês Macron, do chefe do governo polaco Tusk e do chanceler alemão eleito à segunda volta Merz.


A ameaça de sanções da UE, associada à oferta de cessar-fogo, que pretende agir com mais rigor contra a frota fantasma russa, foi ignorada pelo Kremlin – não há cessar-fogo porque isso não é do interesse do Kremlin. Pelo contrário, as conversações entre a Rússia e a Ucrânia começaram debaixo de fogo, uma vez que isso reforça a posição negocial da Rússia. Além disso, como já era de esperar, os europeus foram excluídos destas negociações, que foram conduzidas com a participação da administração norte-americana. Com a exclusão dos europeus, Putin pretende evidentemente continuar a forçar a divisão do Ocidente. Por fim o Kremlin também não aceitou as exigências de Zelensky de querer manter conversações directas com Putin.

Realidades da guerra de desgaste

A Rússia conseguiu assim ditar quase na íntegra as condições prévias para as negociações em Istambul. A Ucrânia, por outro lado, não tem praticamente outra opção senão negociar, uma vez que, na guerra de desgaste no leste, inevitavelmente prevalece o maior potencial de recursos (material, tecnologia, pessoas) do imperialismo russo. A última grande ofensiva da Ucrânia, a investida na região russa de Kursk, terminou num fiasco estratégico. O cálculo de Kiev consistia em entrincheirar-se na região fronteiriça russa e mantê-la sob o seu controlo, a fim de ter uma moeda de troca em eventuais negociações – agora a Rússia mantém partes da região fronteiriça ucraniana na província de Sumy ocupadas. Ambos os lados sofreram pesadas perdas nos combates em Kursk, nos quais também participaram unidades norte-coreanas. No entanto o Kremlin está em melhor posição do que Kiev para compensar isso com campanhas de recrutamento bem-sucedidas.
Também os think tanks ocidentais simpatizantes da Ucrânia, após anos de embelezamento da realidade, não podem mais ignorar as realidades da guerra de desgaste na linha da frente. O Institute for the Study of War (ISW), numa avaliação recente, parte do princípio de que a Rússia não só consegue mobilizar forças suficientes para compensar as perdas na linha da frente, como também para «aumentar os grupos militares na Ucrânia». A liderança do exército russo dispõe assim de mais recursos humanos, apesar de, segundo o ISW, a Rússia ter sofrido recentemente «perdas significativas com menos resultados». O crescente desequilíbrio poderia servir para «pressionar» a Ucrânia nas negociações. Além disso Moscovo parece estar em condições de construir uma «reserva estratégica» considerável através de um recrutamento bem-sucedido, segundo o ISW.
O Atlantic Council já alerta para uma grande ofensiva russa no Verão, que ameaça tornar-se «a mais mortífera da guerra até agora». Também aqui se encontra nas entrelinhas o reconhecimento da derrota iminente. Embora o exército russo continue a sofrer perdas em «ataques frontais dispendiosos», esta táctica está em constante evolução, sendo estes ataques apoiados por «drones, bombas voadoras e artilharia», o que dificulta as medidas defensivas da Ucrânia. A Rússia mantém actualmente a iniciativa na frente e está «em avanço em vários pontos» (Sumy, Kharkiv), pretendendo o comando do exército russo, segundo a avaliação do Atlantic Council, lançar uma grande ofensiva nos próximos meses no Donbass, em torno de Pokrovsk. Os planos ofensivos ucranianos, portanto, há muito que se tornaram papel inútil. A única questão que se coloca agora é se a frente poderá ser mantida face aos ataques russos e a eventuais ofensivas. O Verão ameaça assim tornar-se um «teste de resistência» repleto de «combates brutais» para a «Ucrânia cansada da guerra», especialmente tendo em conta a diminuição da ajuda militar americana.
Uma intervenção militar directa dos europeus contra a potência nuclear russa – que foi debatida publicamente na UE durante algum tempo – é agora considerada praticamente impossível, apesar de todas as declarações públicas de solidariedade. Em meados de Maio Macron declarou que, apesar de todo o apoio, a França não tencionava desencadear a «Terceira Guerra Mundial» por causa da Ucrânia. Pouco antes autoridades governamentais polacas negaram declarações do enviado americano à Ucrânia, Keith Kellogg, segundo as quais Varsóvia estaria disposta a enviar unidades do exército para a Ucrânia. Na coligação governamental alemã, por sua vez, é controverso se Kiev deve mesmo receber os avançados mísseis de cruzeiro Taurus. Enquanto o chanceler eleito à segunda volta Merz prefere manter uma «ambiguidade estratégica» sobre esta questão, o líder do grupo parlamentar do SPD, Matthias Miersch, pronunciou-se explicitamente contra o fornecimento.

Um acordo imperialista caricatural

Dada esta constelação militar e geopolítica favorável, o Kremlin pode entrar nas negociações numa posição de força para impor as suas principais exigências, que afinal visam a legalização da agressão imperialista da Rússia e até mesmo reivindicar mais território ucraniano do que o actualmente controlado pelas tropas russas. A lógica por trás de tal acordo é clara: realizar a inevitável conquista militar por meio de negociações. As exigências territoriais mínimas de Putin provavelmente incluirão a legalização da anexação das regiões de Crimeia, Lugansk, Donetsk, Zaporizhzhia e Kherson na sua totalidade. As conquistas marginais da Rússia nas regiões de Kharkiv e Sumy provavelmente serão moeda de troca nas negociações.
A isso juntam-se as restrições à soberania ucraniana, vendidas pelo Kremlin sob o rótulo de «desnazificação»: por um lado isso equivale a impedir a integração da Ucrânia na esfera de influência ocidental, o que poderia ser realizado através de compromissos de neutralidade e restrições ao armamento do exército ucraniano, e por outro a uma «mudança de regime», com a realização de novas eleições na Ucrânia. A Rússia não quer ocupar todo o país, mas sim reintegrá-lo na sua órbita imperial. A médio prazo, o Kremlin espera manobrar a «Ucrânia restante» para uma soberania fictícia, semelhante à que a Bielorrússia possui actualmente. Formalmente independente, a antiga república soviética já é de facto, tanto económica como militarmente, parte da Federação Russa.
A Rússia não precisa, portanto, de se apressar nas negociações, e coloca-se a questão de saber se estas não são realizadas por motivos puramente propagandísticos. Kiev, por outro lado, já não tem boas cartas neste poker negocial imperialista, razão pela qual Zelensky teve de se declarar disposto a enviar a sua delegação a Istambul nos termos de Putin – quanto mais ele espera, pior fica a sua posição. Além disso, estão a aumentar as tensões na fronteira ocidental da Ucrânia, onde os serviços secretos ucranianos prenderam dois cidadãos húngaros que teriam espiado para o governo Orbán de Budapeste – eles teriam espiado instalações militares, o estado de espírito da população e a capacidade de defesa da região da Transcarpácia, habitada por uma minoria húngara. Desde então, reina um clima gelado entre a Hungria e a Ucrânia, com ambos os países a expulsarem diplomatas do país adversário. O autoritário chefe do governo Orbán, em cujo círculo se tem repetidamente exigido a anexação da Transcarpácia, é considerado próximo da Rússia.
A única chance de Kiev manter alguma influência parece ser a capitulação de facto perante o extractivismo de Trump: Kiev teve de assinar um acordo humilhante sobre recursos com os EUA para não perder completamente o seu apoio. O cálculo de Kiev: este acordo caricaturalmente imperialista, assinado no início de Maio, só faria sentido se as regiões orientais da Ucrânia, ricas em recursos, continuassem sob a soberania ucraniana – bem, digamos assim. Kiev espera que Washington apoie militarmente o seu interesse na extração de matérias-primas. A Ucrânia ficará assim de facto dividida entre o Leste e o Ocidente.
Ainda assim o Financial Times pretende já ter percebido, em meados de Maio, uma «mudança silenciosa» a favor da Ucrânia dentro da administração norte-americana descaradamente imperialista. O vice-presidente JD Vance declarou, numa conferência pública em Washington, que a sua administração tinha conhecimento de uma série de exigências da Rússia que permitiriam o fim da guerra: «Achamos que eles estão a pedir demais», disse Vance, literalmente. Ao mesmo tempo, porém, o vice-presidente lembrou que, apesar das «críticas generalizadas» a Putin, é preciso compreender o ponto de vista do Kremlin para entender a «motivação do outro lado». Vance considerou que a Rússia continua «interessada numa solução».
Como poderia ser essa solução? Também no poker dos recursos ucranianos o Kremlin está em vantagem: já no final de Fevereiro, quando Kiev ainda se opunha à venda dos recursos naturais, Putin ofereceu ao seu homólogo americano a exploração conjunta dos recursos do leste da Ucrânia e a sua venda aos EUA. Grande parte dos recursos naturais já se encontra sob controlo russo.

Tomasz Konicz é autor e jornalista. O seu último livro é «Klimakiller Kapital. Wie ein Wirtschaftssystem unsere Lebensgrundlagen zerstört» (Capital assassino do clima. Como um sistema económico destrói as nossas bases de vida). Mais textos e possibilidades de doações (Patreon) em konicz.info.

Original “Russland hat es nicht eilig“ em konicz.info e akweb.de, 16.05.2025. Tradução de Boaventura Antunes
https://www.akweb.de/politik/ukraine-krieg-friedensverhandlungen-istanbul-russland-hat-es-nicht-eilig/

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