OS IMITADORES

Na sequência da agressão russa à Ucrânia, outras guerras de anexação estão a surgir na periferia e semiperiferia do sistema mundial em cris

Tomasz Konicz, 29.12.2023

O Presidente turco Recep Tayyip Erdoğan mal se dá ao trabalho de esconder as suas ambições imperiais no Cáucaso do Sul. Após a conquista e a limpeza étnica da antiga região arménia de Nagorno-Karabakh pelo seu aliado do Azerbaijão, agora é o chamado Corredor Sangesur, no sul da Arménia, que os governos de Ancara e de Baku têm em mira. A União Soviética tinha concedido à Arménia em 1920 esta região, que faz fronteira com o Irão e bloqueia uma ponte terrestre entre a Turquia e o Azerbaijão; tal injustiça histórica teria de ser revertida. A criação de um corredor no sul do território arménio é uma „questão estratégica“, declarou o Presidente turco durante um encontro com o seu homólogo azerbaijanês, Ilham Aliyev, no enclave de Nakhichevan, no final de setembro.

Em poucas semanas, a Turquia e o Azerbaijão deram assim uma reviravolta francamente orwelliana: a expulsão total dos arménios do Nagorno-Karabakh, descrita pelos media estatais turcos como uma „operação antiterrorista“, tinha sido anteriormente legitimada por ambos os governos ao abrigo do direito internacional com a decisão solitária, em 1921, do então Comissário do Povo Soviético para as Nacionalidades, José Estaline, de anexar esta antiga zona de colonização arménia à República Soviética do Azerbaijão.

Enquanto no caso do Nagorno-Karabakh a demarcação soviética de fronteiras se tornou a base ideológica para a limpeza étnica dessa região, como se fosse uma questão óbvia (tendo este argumento do fornecedor de petróleo Aliyev sido prontamente partilhado no Ocidente virado para o petróleo), Erdoğan e Aliyev argumentam exactamente o contrário no caso do Corredor Sangesur, que deveria ser objecto de negociações com a Arménia – a „injustiça“ soviética teria de ser revista.

Não é por acaso que este discurso faz lembrar as declarações do Presidente russo, Vladimir Putin, no início da invasão da Ucrânia, segundo as quais Lenine e os bolcheviques tinham infligido uma grave injustiça à Rússia, uma vez que apenas os sovietes tinham formado a Ucrânia a partir dos territórios históricos da Rússia. A expulsão dos arménios do Nagorno-Karabakh pode ser descrita como um conflito imitador da agressão russa, no qual o Azerbaijão e a Turquia estão a tentar alcançar os seus objectivos regionais por meio da força militar e da limpeza étnica, na sequência da guerra na Ucrânia.

O cálculo é simples: a guerra de desgaste na Ucrânia esgota os recursos militares no Leste e no Oeste, o que reduz o risco de uma resposta militar das grandes potências a aventuras militares numa região considerada um quintal, como o Sul do Cáucaso – tanto mais que a própria dependência da Europa das fontes de energia do Azerbaijão minimiza o risco de sanções. A guerra terrorista do Hamas contra Israel e a ameaça de um conflito entre os EUA e o Irão aumentaram ainda mais o risco de uma extensão militar excessiva por parte dos Estados ocidentais.

Por isso não é só o Azerbaijão que há muito explora a possibilidade de avançar militarmente na sequência da agressão russa, sem ter de contar com consequências graves por parte das superpotências. A Venezuela também quer corrigir, se necessário por meios militares, uma velha „injustiça“ que, neste caso, remonta ao século XIX: a Venezuela nunca aceitou a fronteira traçada pela potência colonial britânica entre a Venezuela e a então colónia da Guiana Britânica em 1840, reivindicando a região guianesa ocidental de Essequibo, que foi em grande parte atribuída ao antigo império numa decisão arbitral de 1899.

O conflito reacendeu-se brevemente na década de 1960, no decurso da descolonização da Guiana, para depois ficar praticamente congelado – até 2015, quando a Guiana atribuiu à companhia petrolífera americana Exxon concessões para a extracção das enormes reservas de petróleo encontradas ao largo da costa da região de selva em disputa, onde vivem apenas 125 000 pessoas.

No contexto de uma grave crise económica, de uma inflação galopante e de fracos resultados nas sondagens, o Presidente venezuelano Nicolás Maduro organizou, no início de dezembro, um referendo sobre a anexação da região contestada, que abrange dois terços da Guiana. De acordo com os números oficiais, mais de 90% dos participantes no referendo – 51% de todos os eleitores inscritos – votaram a favor da anexação. Desde então, o governo só quer é imprimir mapas venezuelanos com Essequibo como a nova província.

Tropas venezuelanas e brasileiras já marcharam até à fronteira com a Guiana, que tem uma população de apenas 800.000 habitantes e está a viver um acelerado boom petrolífero. A 9 de dezembro, o Presidente brasileiro Luiz Inácio „Lula“ da Silva advertiu Maduro contra uma escalada do conflito fronteiriço. A Guiana tem o que falta à Arménia: jazidas de matérias-primas estrategicamente importantes, razão pela qual os EUA – ao contrário da antiga potência protectora da Arménia, a Rússia – já enviaram avisos claros ao Governo venezuelano e anunciaram manobras conjuntas com as forças armadas da Guiana.

Em contrapartida, o regime internacionalmente isolado da Eritreia – frequentemente descrito como a Coreia do Norte de África – pode esperar que dificilmente haverá uma intervenção rápida de uma grande potência. Com o seu porto em Assab, no sul da Eritreia, este país da África Oriental tem acesso às rotas comerciais marítimas globais, acesso que tem sido negado à Etiópia, sem litoral, com os seus mais de 120 milhões de habitantes, desde a independência da Eritreia em 1993. Na sequência de uma guerra fronteiriça entre os dois países, entre 1998 e 2000, a Etiópia deixou de poder utilizar os portos da Eritreia, que anteriormente geriam uma grande parte do seu comércio, razão pela qual o país sem litoral tem de efetuar cerca de 90% do seu comércio externo através do porto de Djibuti – pagando taxas no valor de milhares de milhões.

Os dois países só puseram fim ao estado de guerra e iniciaram a normalização em 2018. Durante a sangrenta guerra civil na província de Tigray, no norte da Etiópia, que se caracterizou por graves crimes de guerra, as forças armadas da Etiópia e da Eritreia chegaram a cooperar na supressão bem-sucedida da revolta da Frente de Libertação do Povo Tigray (TPLF) entre 2020 e novembro de 2022.

Mas desde outubro o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, tem sinalizado cada vez mais a disposição de ir para a guerra para obter acesso ao Mar Vermelho, enquanto as tropas etíopes se aglomeram na fronteira com a Eritreia. Ahmed descreveu o acesso ao mar como uma questão de sobrevivência para a Etiópia. O porto de Assab é considerado o principal alvo de qualquer ataque etíope, mas Ahmed terá também ameaçado com a conquista total da Eritreia. Com „o mundo concentrado em Gaza“, o governo etíope poderia ser tentado a criar factos, comentou a revista americana Foreign Policy.

No entanto, uma guerra para obter rapidamente um porto marítimo – as forças armadas etíopes já criaram uma marinha – poderia também transformar-se numa catástrofe regional, uma vez que a Etiópia é um Estado com uma multiplicidade de conflitos regionais, onde já estão a decorrer várias guerras civis, por exemplo na região noroeste de Amhara e contra milícias do grupo populacional Oromo. As autoridades etíopes acusaram repetidamente a Eritreia de apoiar a revolta em Amhara. A melhor hipótese de o regime da Eritreia sobreviver a uma confrontação com a Etiópia seria alimentar estas guerras civis o mais possível. Uma guerra de conquista etíope contra a Eritreia, cujo regime obriga grande parte da sua população a um serviço militar neofeudal e sem limite de tempo, poderia assim transformar-se numa guerra de desnacionalização que desestabilizaria toda a região da África Oriental; já o colapso do Estado da vizinha Somália foi acelerado, em particular, por uma invasão falhada da Etiópia em 1977-1978.

Estes conflitos imitadores, em curso ou iminentes, na periferia e na semiperiferia do sistema mundial em crise, oferecem um vislumbre da realidade da emergente „ordem mundial multipolar“ de que o Presidente russo Putin tanto gosta de falar. Trata-se, de facto, de uma desordem mundial multipolar na manifesta crise mundial do capital, em que nem os EUA em declínio nem a China conseguem assumir a função de hegemonista e de polícia imperial mundial – e em que, consequentemente, cada vez mais Estados se sentem tentados a compensar as crescentes contradições internas causadas pela crise através da agressão externa. Até que o Estado entre em colapso.

Original “Die Nachahmer” in konicz.info, 28.12.2023. Antes publicado em Jungle World, 21.12.2023. Tradução de Boaventura Antunes
https://jungle.world/artikel/2023/51/neue-kriegerische-konflikte-annexion-weltpolitik-die-nachahmer

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