A nova proximidade capitalista

A deslocalização próxima anuncia o fim da era da globalização

Tomasz Konicz, 12.11.2023. Antes publicado em “Jungle World” 09.10.2023. Tradução de Boaventura Antunes

Há já algum tempo que as empresas têm tendência para deslocalizar partes da sua produção para o país mais próximo com mão de obra qualificada e fusos horários semelhantes. Porquê vaguear na distância da crise capitalista permanente, quando as cadeias de exploração e de valorização também podem ser estabelecidas na proximidade?

Na imprensa económica está a surgir uma nova palavra de ordem que assinala, de forma quase paradigmática, o fim da era da globalização: deslocalização próxima [nearshoring]. Concebido em oposição ao chamado offshoring, o nearshoring designa a tendência para o estabelecimento de cadeias de produção regionais, que pretendem rever as formas globais de organização da produção de mercadorias surgidas na era neoliberal.

A partir dos anos 80 os custos de transporte historicamente baixos e a comunicação global em tempo real, na sequência da revolução informática, permitiram às empresas transnacionais explorar as gigantescas diferenças salariais entre a periferia e os centros do sistema mundial capitalista, criando cadeias de produção globais e externalizando etapas de produção com custos e trabalho intensivos para países com baixos salários – o chamado offshoring. A isto juntou-se a externalização em grande escala: as empresas encerraram áreas de produção inteiras nos países industrializados tradicionais e externalizaram-nas para subcontratantes, por exemplo na China. É por isso que a Apple não produz os seus próprios smartphones, mas manda-os fabricar por fabricantes contratados, como a Foxconn, em fábricas chinesas em condições de trabalho brutais.

E não é apenas a ascensão da China a oficina do mundo durante a era da globalização que está a tornar popular a deslocalização próxima, particularmente nos desindustrializados e cada vez mais proteccionistas EUA. A luta entre os Estados Unidos e a China pela hegemonia aumenta o risco de uma guerra de grandes proporções, pelo que Washington também se esforça por reduzir os enormes défices comerciais e a dependência dos Estados Unidos em relação à República Popular por razões geopolíticas. O pano de fundo das crescentes tensões na região do Pacífico é o colapso iminente da economia global de deficit da era neoliberal, em que o endividamento – especialmente dos EUA – que cresceu mais rapidamente do que a produção económica global foi o motor económico mais importante, por exemplo, para países orientados para a exportação, como a China ou a Alemanha.

De um modo geral, a crescente susceptibilidade a crises do sistema capitalista mundial sobreendividado e ecologicamente devastado, que tem sido abalado por conflitos, novos acontecimentos extremos e crises, está a dar origem a tendências correspondentes para a desglobalização. O surto de crise desencadeado pela pandemia, que levou à interrupção de muitas cadeias de abastecimento globais em 2020, foi certamente um ponto de viragem a este respeito; esta situação foi agravada pela invasão russa da Ucrânia em fevereiro de 2022, na sequência da qual a guerra económica e o proteccionismo se expandiram e continuaram a intensificar-se.

As tendências mais fortes para a deslocalização próxima podem ser observadas atualmente no México que, de acordo com o serviço de notícias de negócios Bloomberg, é um dos „vencedores“ das disputas comerciais entre os EUA e a China. Em julho de 2023 as importações de produtos mexicanos atingiram um máximo histórico de 15% de todas as importações para os EUA, ultrapassando pela primeira vez as entregas da China (14,6%). Enquanto a quota da China nas importações para os EUA – que atingiu um máximo histórico de 21,8% na primavera de 2018 – caiu para o seu nível mais baixo desde 2006, o vizinho do sul dos EUA tornou-se o parceiro comercial mais importante dos Estados Unidos. O comércio bilateral totalizou 263 mil milhões de dólares americanos nos primeiros quatro meses deste ano.

E deverá continuar a crescer. O banco de investimento Morgan Stanley prevê um rápido aumento nos próximos cinco anos das exportações industriais mexicanas para os EUA, que deverão passar de 455 mil milhões de dólares para 609 mil milhões de dólares por ano. A parte da produção industrial no produto interno bruto mexicano tem, de facto, aumentado acentuadamente nos últimos anos – na verdade, desde que o governo de Donald Trump introduziu uma política abertamente proteccionista contra as importações principalmente chinesas – de cerca de 15,6% no ano pandémico de 2020 para cerca de 16,7% no primeiro trimestre de 2023.

México – uma segunda Europa Central e Oriental?

Os níveis salariais a sul do Rio Grande também continuam a ser muito baixos. No final de 2021, os custos laborais na produção industrial mexicana eram em média de 2,80 dólares por hora, em comparação com uma média de 24,55 dólares nos EUA no início de 2022. O México continua, portanto, a ser um país de baixos salários. No entanto, não são apenas as etapas de produção de mão de obra intensiva, como as que foram externalizadas para as zonas industriais isentas de impostos e taxas, para as chamadas maquiladoras, na região fronteiriça com os EUA desde o infame Acordo de Comércio Livre da América do Norte (NAFTA) entre os EUA, o México e o Canadá em 1994, e onde se instalaram as empresas de montagem que estão a alimentar a retoma industrial do México. Entretanto as empresas estão também a deslocalizar para o México sectores de investigação e de capital intensivo, como noticiou Der Spiegel, referindo-se às empresas alemãs Audi e ao grupo químico Evonik.

A diferença de custos salariais entre o centro e a semiperiferia, que conduz a uma industrialização desta última, faz lembrar superficialmente a situação da Europa Central e Oriental após a adesão à UE. Nessa altura foi o capital industrial alemão, orientado para a exportação, que explorou a proximidade geográfica dos países da Europa de Leste com baixos salários na primeira década do século XXI, a fim de os integrar nas suas cadeias de produção globais como bancadas de trabalho alargadas – e assim obter enormes vantagens competitivas no mercado mundial.

A grande diferença entre a externalização da produção na Europa Central e Oriental e a deslocalização próxima na América Central é, portanto, que já não se trata de obter vantagens competitivas nos mercados globalizados. O investimento industrial no México é motivado pelo cálculo da obtenção de uma melhor posição – ou do acesso com isenção de direitos aduaneiros – no grande mercado americano, cada vez mais fechado.

O capital americano é de longe o líder do investimento directo actual no México. No primeiro trimestre de 2023, as empresas americanas investiram 6,4 mil milhões de dólares no país vizinho do sul, quase o dobro do capital das empresas espanholas, que gastaram 3,8 mil milhões de dólares. No mesmo período, a Alemanha investiu 1,3 mil milhões de dólares no mercado emergente da América Central.

Com 15 mil milhões de dólares, cerca de 42% de todo o investimento directo estrangeiro (IDE) dos EUA foi para o México em 2022. A Europa foi responsável por 12,3% de todo o IDE no México no ano passado, seguida de perto pelo Canadá, com 10,7%. Este capital foi canalizado principalmente para os Estados do norte e para a área da Cidade do México. A produção industrial, e em particular o sector automóvel, foi um foco da actividade de investimento estrangeiro.

A vingança da globalização

As empresas chinesas, que até à data quase não tinham desempenhado qualquer papel no México, estão também a expandir significativamente a sua actividade de investimento. Enquanto as empresas da República Popular da China investiram apenas 67 milhões de dólares no México em 2019, este valor já tinha aumentado para 406 milhões de dólares em 2022. O mesmo se aplica ao IDE de Hong Kong, que passou de dez milhões para 124 milhões no mesmo período. Com esta estratégia de investimento, a China está simplesmente a tentar minar o novo protecionismo dos EUA. Nos próximos anos, as empresas chinesas pretendem mesmo investir cinco mil milhões de dólares num parque industrial no Estado de Nuevo León, no norte do país, para aí instalar 120 empresas e criar 7000 postos de trabalho, segundo a imprensa chinesa.

As actividades de investimento das empresas alemãs no México são provavelmente motivadas por um cálculo semelhante – o objetivo é, de facto, ficar sob a alçada da zona de comércio livre norte-americana USMCA (criada em 2018 a partir da reforma do acordo NAFTA), que inclui os EUA, o México e o Canadá. O jornal económico britânico The Economist lamentou que a estratégia proteccionista prosseguida pelo Governo de Joe Biden, sob a égide do seu antecessor Trump, não estivesse a funcionar, pois as cadeias de abastecimento estavam a tornar-se cada vez mais „emaranhadas e opacas“, uma vez que os regulamentos do USMCA penalizavam todas as localizações fora desta zona.

Mas a velha globalização está, por assim dizer, a vingar-se do novo protecionismo. Por exemplo, os sistemas solares chineses foram exportados para os Estados Unidos através dos países do sudeste asiático no final de 2022, fazendo-lhes „pequenas modificações“ durante a escala. A China parece agora querer criar „fábricas de redeclaração“ semelhantes no norte do México. No entanto, este boom é, em si mesmo, mais um fenómeno de crise e a sua continuação é tudo menos certa. Embora o investimento no México tenha aumentado nos últimos anos, de cerca de 28 mil milhões de dólares em 2020 para cerca de 36 mil milhões de dólares em 2022, até agora só atingiu o nível de investimento de antes do início da pandemia.

Um boom efémero?

Além disso, o México foi anteriormente considerado um perdedor do comércio livre, uma vez que o país emergente apenas registou um crescimento económico médio de dois por cento ao ano. Era „demasiado pouco para tirar milhões de mexicanos da pobreza“, como observou o serviço de negócios da Bloomberg. A actual retoma da actividade industrial no país emergente deve-se, portanto, em grande parte, à decisão estratégica dos EUA de reduzir a sua dependência económica da China.

Por conseguinte, o México está cada vez mais dependente do mercado de vendas norte-americano, que mantém a sua retoma através de investimentos financiados pela dívida e de programas de estímulo económico, bem como do aumento das barreiras comerciais. Entretanto a classe dominante política e económica dos EUA tem de utilizar todos os meios geopolíticos e, em última análise, militares disponíveis para defender a posição do dólar americano como moeda mundial. A próxima vaga de crise nos Estados Unidos, onde se acumulam défices orçamentais cada vez mais gigantescos e onde as medidas anti-inflacionistas fazem subir as taxas de juro das obrigações para mais de cinco por cento, acabará consequentemente também com o boom industrial e de investimento no México, que é efectivamente um apêndice desta economia deficitária dos Estados Unidos.

Por último, os limites ecológicos do capital estão a tornar-se cada vez mais evidentes no México. Por exemplo, a crise da água está a agravar-se no norte do México, que está ressequido e sofre de ondas de calor extremas, o que está a dificultar muitas instalações industriais devido às suas elevadas necessidades de água. Em fevereiro, por exemplo, o Presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador tentou persuadir o fabricante americano de automóveis eléctricos Tesla a construir uma fábrica planeada para Nuevo León no sul do país, rico em água, uma vez que a falta de água no norte é agora um problema grave.

No ano passado, a empresa mexicana de abastecimento de água Rotoplas alertou para o facto de as secas crescentes poderem agravar o problema da água a longo prazo, o que também afectará a economia. A isto acresce o legado ruinoso da era neoliberal, em que o investimento estatal em infra-estruturas foi frequentemente cortado. Em 2012, por exemplo, o governo federal mexicano gastou o equivalente a cerca de 2,6 mil milhões de dólares em projectos para melhorar o abastecimento de água – em 2022, este valor tinha caído para apenas 1,3 mil milhões. No entanto, o governo quer mudar de rumo, tendo em conta a retoma industrial, e aumentar a rubrica orçamental correspondente para o equivalente a 3,53 mil milhões de dólares este ano.

Original “Neue kapitalistische Nähe” in konicz.info, 12.11.2023. Antes publicado em “Jungle World” 09.10.2023. Tradução de Boaventura Antunes

https://jungle.world/artikel/2023/45/nearshoring-ende-der-aera-der-globalisierung-neue-kapitalistische-naehe

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