Saque sustentável

04.02.2023, Tomasz Konicz

O chamado capitalismo verde também consome quantidades gigantescas de matérias primas.

Se existisse o capitalismo verde, como iria ele lidar com o seu crescimento sem limites de maneira amiga do clima e ecologicamente sustentável? A acreditar nas histórias de Robert Habeck, o Ministro Federal Alemão para os Assuntos Económicos e Protecção Climática, seria semelhante ao imperialismo do século XIX. Durante uma visita à Namíbia no início de Dezembro, Habeck assegurou que os investimentos climáticos pretendidos pela Alemanha não eram de modo nenhum „imperialismo do clima verde“, tal como prosseguido pelos concorrentes da Alemanha „famintos de energia“.

No „Sudoeste alemão“ as tropas coloniais alemãs cometeram um dos primeiros genocídios do século XX, em 1904/05, quando reprimiram o levantamento dos Herero. Foi apenas em 2021 que o governo alemão, após longas negociações, reconheceu este genocídio como tal e „fez reparações“ com uma ajuda à reconstrução de 1,1 mil milhões de euros. Habeck parece querer usar a hora da „oportuna“ reconciliação histórico-política para investir maciçamente em fontes de energia renováveis na antiga colónia. A Alemanha quer que a Namíbia se desenvolva mais rapidamente, para criar empregos e reduzir o desemprego, explicou Habeck na capital namibiana, Windhoek. Dez mil milhões de dólares serão canalizados para a construção de uma fábrica de hidrogénio no sul da Namíbia, que será financiada por investidores alemães e construída pela empresa alemã Enertrag, parte do consórcio Hyphen Hydrogen Energy. Esta fábrica, segundo o ministro alemão dos Assuntos Económicos, deveria também melhorar o abastecimento energético da Namíbia e da África do Sul, estando a Alemanha disposta a comprar a produção excedentária e a transportá-la por navio, depois de sintetizada em amoníaco verde. O amoníaco é comercializado como um potencial transportador de energia neutro para o clima porque é combustível, pode ser convertido directamente em electricidade em células de combustível e é mais fácil de transportar do que o volátil hidrogénio.

Os petrodólares da moribunda era fóssil que fluíam para o Médio Oriente seriam em breve transformados em „dólares da energia verde“ a fluir para África, previu o lobista Stefan Liebing, da Associação Africana de Empresas Alemãs, por ocasião da viagem de Habeck ao sul da África. O Ministério da Economia espera mesmo que „um número com dois dígitos de países“ venha a exportar hidrogénio verde para a Alemanha a partir de 2030, disse ao „Tagesschau“ Patrick Graichen, o Secretário de Estado Verde do Ministério Federal da Economia e Protecção Climática. A Europa precisa dos desertos do mundo para um „futuro verde e neutro para o clima“, disse o portal público de notícias próximo do Estado. Tal como o século XX foi caracterizado pela corrida aos poços de petróleo mais produtivos, o século XXI é caracterizado pela corrida aos melhores locais de produção de fontes de energia neutras para o clima.

Os prospectores do capitalismo verde parecem ter encontrado o que procuravam na área diamantífera proibida no inóspito sul da Namíbia, onde uma corrente fria do oceano assegura que a precipitação anual perto da costa permanece no domínio do milímetro. A força do vento nas colinas do deserto na região costeira, até aos 12 metros por segundo, é muito mais elevada do que perto do Mar do Norte, onde se atinge uma média de apenas oito metros, disse um porta-voz da Enertrag aos representantes dos media. Isto permite que a electricidade seja produzida por dois cêntimos por watt-hora climático. Além disso, existem grandes instalações solares para as quais as condições também são óptimas. O ponto alto do investimento: apenas a alguns quilómetros desta região desértica ventosa está o Oceano Atlântico, cuja água poderia ser transformada em hidrogénio e amoníaco. Aqui devem ser geradas quantidades gigantescas de energia, até sete gigawatts, numa área de 100 por 80 quilómetros: estão planeadas 600 turbinas eólicas e dois grandes campos solares. A título de comparação, a central nuclear Isar 2, localizada na Baixa Baviera, teve uma produção de 1,49 gigawatts em 2022.

Assegurar fontes de energia neutras para o clima é apenas uma das muitas, por vezes desesperadas, tentativas do governo federal de abrir para a economia doméstica uma perspectiva de transformação em capitalismo neutro para o clima, através de uma nova orientação geopolítica. A tentativa dos centros económicos de construir novos sectores „verdes“ líderes na produção industrial é acompanhada por um tremendo aumento da procura de matérias-primas que dificilmente pode ser satisfeita. Para muitos supostos „mercados do futuro“ são necessárias quantidades gigantescas de novas combinações de materiais, que quase não eram procuradas antes, na era fóssil. Para além dos metais habituais como o ferro, alumínio e cobre, existem metais preciosos como o manganês, o cobalto e o níquel, ou matérias-primas como a grafite e o famigerado lítio, cuja produção consome enormes quantidades de água. Tanto a electromobilidade, em que a indústria automóvel alemã dormiu demais, como a geração de energia sustentável através do vento e do sol dificilmente são concebíveis sem estas matérias-primas.

Além disso, existe o grupo de matérias-primas de terras raras, em cuja extracção a República Popular da China alcançou uma posição de monopólio. Os esforços para assegurar as cadeias de abastecimento destes materiais estão a tornar-se „o último ponto de fricção na rivalidade geoeconómica“ entre o Ocidente e a China, segundo uma avaliação recente do “thinktank” Center for Strategic & International Studies (CSIS), sediado em Washington. A República Popular detém uma „posição de forte a dominante“ em muitas matérias-primas necessárias à transformação ecológica, lamentou o CSIS, com a China a transformar-se cada vez mais de fornecedor de matérias-primas em consumidor das cobiçadas matérias-primas ecológicas, a fim de impulsionar a transformação industrial „sustentável“ da sua economia capitalista estatal. Além disso, os esforços para reciclar muitas destas matérias-primas estão ainda na sua infância, de modo que dificilmente podem ser estabelecidos circuitos eficazes de matérias-primas, especialmente nas ansiadas „eco-indústrias“. Se não houver aqui nenhum avanço tecnológico, a procura continuará a aumentar a médio prazo.

A Rússia, por outro lado, é líder na extracção de níquel e paládio, enquanto que uma grande parte do cobalto globalmente procurado é extraído na República do Congo em condições parecidas com as do início do capitalismo. Diz-se que cerca de 70 por cento dos depósitos globais se encontram neste país africano. Empresas chinesas têm ali crianças a extrair cobalto sob a sua própria direcção, enquanto empresas ocidentais como Tesla deitam as mãos à matéria-prima congolesa através de intermediários: a extracção de cobalto no „Estado falhado“ do Congo é frequentemente controlada por milícias e gangues locais. Depois de vários intermediários, a matéria-prima encontra o seu caminho para os produtos ocidentais. Todo o globo está actualmente a ser febrilmente vasculhado à procura de fontes das matérias-primas recentemente tornadas atraentes. Em Madagáscar, por exemplo, as empresas ocidentais estão a tentar obter os depósitos recentemente descobertos de terras raras, para cuja extracção a população do país empobrecido está simplesmente a ser expulsa.

Outro ponto quente da caça global às matérias primas „verdes“ é a Bolívia. Aqui existem grandes depósitos de lítio, que é indispensável para a pretendida „transição energética“. O golpe contra o presidente de esquerda Evo Morales em Novembro de 2019 deixou claro que o imperialismo verde também recorre a métodos semelhantes aos do seu modelo histórico, se necessário. Elon Musk, cuja empresa Tesla obteve fortes ganhos de cotação nas bolsas de valores após o derrube do recalcitrante presidente boliviano – que pelo menos queria vender a riqueza de recursos do seu país a um preço elevado – comentou sucintamente na altura que, se necessário, qualquer um „seria afastado por um golpe“. De acordo com documentos internos vindos público, o governo britânico também saudou expressamente o golpe contra Morales – na esperança de assim obter acesso ao lítio boliviano.

Entretanto, há também especulações sobre como o acesso a matérias-primas „verdes“ desempenhou um papel na guerra de agressão imperialista da Rússia na Ucrânia. O país do leste europeu tem depósitos significativos de cobalto, lítio, titânio, berílio e terras raras. O seu valor é actualmente estimado em cerca de 6,7 biliões de euros. Em meados de 2021, meio ano antes do ataque da Rússia, Kiev concluiu uma parceria com a UE sobre a exploração destes depósitos de matérias-primas, seguida dos primeiros leilões para a exploração dos depósitos no Outono de 2021. Estas matérias-primas poderiam representar a „espinha dorsal da transição energética“ no Ocidente, disse um cientista político ao „Zeit-Online“. Muitos dos supostos depósitos estão localizados nos territórios anexados pela Rússia, de modo que o Kremlin pode continuar a exercer pressão sobre a UE. Claro que se poderia perguntar até que ponto estes depósitos já desempenharam um papel em 2013/14, quando Berlim, Bruxelas e Washington derrubaram o governo eleito em Kiev com a ajuda das milícias nazis, a fim de organizar uma mudança de regime pró-ocidental – mas os jornalistas e cientistas políticos preferem não fazer tais perguntas, se quiserem continuar a escrever no „Zeit-Online“.

A crise climática não só alimenta a caça geopolítica a novas matérias-primas, mas também abre novas regiões do mundo ao imperialismo climático. A rápida fusão da cobertura de gelo do Árctico tem suscitado cobiças há vários anos, levando a uma intensificação da concorrência geopolítica no extremo norte e a uma militarização do Árctico. Além disso, novas rotas de navegação estrategicamente importantes poderiam abrir-se no extremo norte, o que encurtaria significativamente o transporte de mercadorias entre o Extremo Oriente e a Europa. A Rússia construiu há muito tempo a sua própria unidade militar para operações no Extremo Norte, e a NATO realizou várias manobras em grande escala no Árctico. Os pontos de discórdia são sobretudo as zonas económicas exclusivas dos vizinhos do Árctico: Rússia, Canadá, EUA e UE, que tem uma presença geopolítica na região através da Gronelândia. Actualmente, a procura de terras raras está em curso na Gronelândia. A empresa mineira Greenland Minerals espera desenvolver alternativas de produção ao domínio chinês.

A procura de matérias-primas verdes não pára nem sequer nas águas profundas do Pacífico. Nos próximos anos, a empresa canadiana The Metals Company quer extrair no Pacífico níquel, cobre, manganês e cobalto suficientes para construir 280 milhões de carros eléctricos. A exploração mineira em alto mar pode começar já em 2024. „Nunca antes houve mineração a esta escala na Terra“, disse James McFarlane, antigo funcionário da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, aos representantes dos media. As consequências para os ecossistemas regionais seriam imprevisíveis. Mas a fome da máquina de valorização global é maior.

Contudo, a caça de novas matérias-primas que leva ao Árctico e ao mar profundo não será suficiente para satisfazer as necessidades sempre crescentes do capital. Pois o seu objectivo não é satisfazer as necessidades, mas queimar quantidades cada vez maiores de matérias-primas e energia no processo interminável da valorização, a fim de transformar dinheiro em mais dinheiro. A tarefa da ideologia burguesa é legitimar este processo de acordo com as exigências actuais: com a construção de um „capitalismo verde“, ou com a electromobilidade que está actualmente a ser maciçamente propagada na Alemanha. Mas a própria ideia de um capitalismo ecológico, que continue os intermináveis processos de valorização do capital de forma amiga do clima, revela-se uma ilusão, tendo em conta que o „crescimento“ ilimitado não é viável num planeta limitado. Independentemente do facto de a produção de carros eléctricos consumir mais energia do que a de carros a gasolina, a questão dos recursos fica simplesmente por resolver numa produção em massa em constante crescimento.

Os estrangulamentos no abastecimento de lítio, níquel, cobalto, cobre e terras raras são evidentes. E são precisamente estes estrangulamentos que dão ímpeto ao „imperialismo do clima verde“ de Habeck, à medida que os centros capitalistas tentam obter acesso às escassas matérias-primas do futuro à custa dos seus concorrentes. Só típicas contas de merceeiro podem levar a acreditar que haveria matérias-primas suficientes para a electromobilidade simplesmente porque podem ser localizadas no globo. Isto porque as matérias-primas têm de ser extraídas e processadas com um custo de capital extremamente elevado e com um enorme custo ambiental (lítio).

Mesmo uma expansão maciça da extracção dificilmente pode fornecer as quantidades necessárias para o processo de valorização do capital. O lítio, cuja procura na indústria automóvel alemã deverá aumentar dez vezes até 2030, não é petróleo bruto; não está disponível na mesma quantidade que o petróleo estava no início da era do petróleo. No caso do cobre, prevê-se que a procura na indústria automóvel alemã aumente em três milhões de toneladas no decurso da transição da mobilidade. É inevitável uma explosão dos preços („greenflation“). E alguém teria de conseguir comprar estas lixeiras móveis de resíduos perigosos, cuja reciclagem em breve terá custos enormes, para que o circuito de valorização do capital se concluísse no mercado.

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