OUSAR MAIS APOCALIPSE

24 de abril de 2020 Tomasz Konicz

Enquanto a crise climática ameaça ficar fora de controlo, o Governo alemão está abandonar qualquer política climática significativa a nível europeu.

Ainda é uma seca – ou é o „novo normal“ da manifesta crise climática? Grandes partes da Europa já sofrem de seca severa na primavera, o que evoca lembranças dos períodos de seca dos últimos anos [1]. Se essa tendência continuar, 2020 será o terceiro ano consecutivo de seca na Europa [2].
Particularmente afectadas estão a Alemanha Oriental, a República Checa e a Polónia, onde grandes partes do país sofrem com a seca extrema, e áreas agrícolas estão agora em risco de destruição. Os bispos da Polónia pediram recentemente orações para o início da chuva [3] porque a seca ameaça justamente na fase de crescimento a colheita deste ano e os meios de subsistência de milhares. „Quanto mais a leste se vai, mais seco fica“, disse um comerciante agrícola à Topagrar [4].
Em janeiro e fevereiro, as chuvas normais ainda foram registadas no leste da Alemanha, mas quase não chove desde março, afirmou. O nível da água do Elba [5] caiu para 90 centímetros em 23 de abril, que é menos de metade do valor médio usual de cerca de dois metros. O nível da água do Vístula, no centro da Polónia, baixou dramaticamente: em Varsóvia, foram medidos apenas 53 centímetros [6].
Quase todas as regiões da Alemanha estão afectadas pela seca continuada – em graus variados – pois não há chuvas substanciais na Europa Central desde meados de março. Até ao momento, apenas cinco por cento [7] da quantidade usual de precipitação foram registados em abril . Em interação com os ventos fortes e secos, as camadas superiores do solo secaram frequentemente a uma profundidade de 20 centímetros, enquanto as camadas inferiores do solo em muitas regiões ainda conseguem reter a humidade do inverno mais chuvoso: „Temos sorte que o inverno este ano esteve mais húmido que o normal, principalmente em fevereiro „, disse um meteorologista do Serviço Meteorológico Alemão à Spiegel Online.
Pelo menos a curto prazo, também não há mudanças no clima à vista, pois actualmente existe uma situação semelhante à da seca de 2018, quando uma zona estável de altas pressões se formou sobre a Europa, o que redirecionou as áreas de chuva ao redor da Europa no sentido dos ponteiros do relógio. Nas previsões de longo prazo actualmente não se vêem mudanças nessa situação climática geral. Em 2020, a tendência de aquecimento incontrolável da atmosfera [8] devido às mudanças climáticas capitalistas [9] continuou na Europa, o que se manifesta em novos recordes de temperatura. Depois de 2019 ter sido o ano mais quente da Europa desde o início dos registos meteorológicos, os três primeiros meses deste ano também estabeleceram um recorde que excedeu o anterior de 1990 em meio grau Celsius.
Talvez não seja inapropriado chamar o período do ano seguinte à estação escura (anteriormente conhecida como „inverno“) o tempo do fogo. O risco de incêndio florestal já aumentou acentuadamente em muitas regiões da Europa. Isso é confirmado não apenas pelas imagens de aparência apocalíptica [10] da zona de exclusão contaminada nuclearmente em torno da antiga central nuclear soviética de Chernobyl, onde incêndios que ficaram fora de controle e que contêm abundante combustível seco na área deserta geram uma nova nuvem atómica [11].
Em muitas regiões da República Federal [12] – em grandes partes de Brandenburgo, Saxónia-Anhalt, Baixa Saxónia, Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental e Saxónia – actualmente já vigora o nível mais alto de risco incêndios florestais. Algumas regiões da Baviera, Baden-Württemberg e Hesse também são afectadas. Dezenas de incêndios em turfeiras ou incêndios florestais foram relatados desde o início de abril; somente em Brandenburgo, a brigada de incêndios teve que ser usada 40 vezes nas últimas duas semanas.

Megasseca – o começo de uma mudança climática?

Se essas „secas“ dos últimos três anos marcarem o início de uma mudança climática na Europa, que foi desencadeada pelo ponto de inflexão dialéctica [13] correspondente no sistema climático, os incêndios florestais vão tornar-se um fenómeno anual, que só diminuirá quando a vegetação se adaptar às novas condições climáticas [14] – se uma nova situação climática estável se estabelecer no futuro próximo.
Estudos científicos assumem que distúrbios causados pelas mudanças climáticas na corrente de altitude – uma forte faixa de vento na atmosfera superior, responsável pela compensação de temperatura entre regiões tropicais e regiões mais frias do mundo – provocaram períodos extremos de calor e seca nos últimos anos [15]. Um distúrbio ou colapso permanente deste sistema de correntes, que molda significativamente o clima nas zonas temperadas, teria consequências catastróficas para as regiões afectadas.
Uma „megasseca“ também está surgindo não apenas na Europa. O centro-oeste dos EUA [16], que abriga algumas das principais áreas agrícolas do mundo, também sofre com a seca prolongada, sem precedentes na história.
O que faz a política diante de um mundo que não está apenas fora de sintonia climática? Como as elites funcionais capitalistas reagem às consequências inconfundíveis do agravamento da crise climática, que agora ameaça partes da máquina de valorização capitalista – como o sector agrícola – directamente? A nível europeu, a política climática está a ser o mais possível colocada no congelador [17].

Declaração de falência da política climática

Embora a Comissão da UE tenha enfatizado repetidamente que, apesar da pandemia, ela continuará a reestruturação ecológica da UE, documentos internos divulgam agora que esse não é mais o caso. Muitos projectos que deveriam ser implementados como parte do chamado Green New Deal serão, assim, adiados para o dia de São Nunca. Muitas indústrias que vêem sua existência ameaçada pelas consequências económicas da pandemia lutaram nos bastidores contra a dispendiosa reestruturação ecológica da economia que deveria ser realizada como parte do Green New Deal. Polónia e República Checa, que foram particularmente afectados pela seca, diz-se que terão insistido em Bruxelas pelo fim geral do Green New Deal.
Entre outras coisas, a estratégia europeia de reflorestação, com a qual o CO2 deveria ser removido da atmosfera, foi vítima do lápis vermelho. Também foram abandonadas as iniciativas para forçar as indústrias de aviação e de transporte marítimo a usar combustíveis sustentáveis. O „direito de reparação“ e todos os regulamentos que obrigariam os fabricantes a renunciar às estratégias de obsolescência planeada no design de produtos também não serão implementados de momento.
É provável que esta declaração de falência da política climática em tempos de crise climática manifesta seja o núcleo da Presidência alemã do Conselho da UE, que começará em junho de 2020. Berlim emitiu apenas „fórmulas vazias“ sobre o Green New Deal, como os media europeus já reclamaram [18] em meados de abril, pois nos primeiros esboços do programa de política climática de Berlim havia apenas „frases vazias“ .
Um apelo emitido por vários ministros do meio ambiente da UE em meados de abril, que descrevia o Green New Deal como um factor-chave na recuperação económica da Europa após a pandemia, foi assinado apenas posteriormente pela ministra federal alemã do Meio Ambiente, Svenja Schulze [19]. Schulze falou de um „lapso da comunicação“ depois de ter sido pressionada devido à falta de apoio alemão ao apelo assinado pela Dinamarca, Finlândia, Itália, Letónia, Luxemburgo, Holanda, Portugal, Áustria, Espanha e Suécia. A França também assinou apenas mais tarde.
A correspondência interna do embaixador alemão na UE, Michael Clauss, divulgada pela Spiegel Online [20], não deixa dúvidas. Na „carta urgente“ para Berlim, Clauss explicou que os tópicos que deveriam ser o foco da política europeia até recentemente tinham que „ser inevitavelmente sobrepostos ou ficar em segundo plano“. Isso incluindo particularmente a luta contra as mudanças climáticas.
Berlim agora está a priorizar as disputas europeias sobre políticas de crise – isto é, a luta contra as exigências de ajuda da periferia sul da zona do euro. Para Berlim a questão é principalmente a „capacidade de agir das instituições europeias“, bem como a questão da „reconstrução“, que Clauss não associa mais ao Green New Deal – que deveria realmente estabelecer uma economia ecológica como um novo motor económico. Em vez disso, segundo o embaixador alemão na UE, está em risco „a manutenção da integração da UE em si“.
Em linguagem clara: enquanto a crise climática se está manifestar na Europa, as elites funcionais capitalistas estão a começar a sabotar políticas climáticas europeias significativas, enquanto ao mesmo tempo as contradições nacionais ameaçam fazer explodir a UE devido aos conflitos sobre uma política europeia de crise. Ousar mais apocalipse – este parece ser o lema não oficial da próxima presidência alemã de uma UE em rápida deterioração.

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[1] https://www.heise.de/…/…/Klima-fuer-Extremismus-4127330.html
[2] https://www.sonnenseite.com/…/drittes-drrejahr-in-folge-mgl…
[3] https://www.domradio.de/…/ackerland-von-zerstoerung-bedroht…
[4] https://www.topagrar.com/…/droht-wieder-ein-duerrefruehling…
[5] https://www.umwelt.sachsen.de/…/web/wasserstand-pegel-501060
[6] https://www.rmf24.pl/…/news-hydrolog-jutro-poziom-wody-w-wi…
[7] https://www.spiegel.de/…/klima-deutschland-steuert-auf-die-…
[8] https://www.sueddeutsche.de/…/klimawandel-rekordjahr-2019-1…
[9] https://www.heise.de/…/Kapital-als-Klimakiller-4043735.html…
[10] https://www.youtube.com/watch…
[11] https://www.focus.de/…/radioaktives-sperrgebiet-in-flammen-…
[12] https://www.deutschlandfunk.de/klimawandel-droht-2020-die-n…
[13] https://www.heise.de/…/Die-Dialektik-des-Klimawandels-33648…
[14] https://www.sueddeutsche.de/…/pyrozaen-wir-muessen-mit-dem-…
[15] https://www.spiegel.de/…/jetstream-stockende-wellen-mitschu…
[16] https://www.yahoo.com/…/megadrought-emerging-western-u-migh…
[17] https://www.handelsblatt.com/…/coronakrise-eu…/25748146.html
[18] https://www.euractiv.de/…/deutsche-ratspraesidentschaft-le…/
[19] https://www.euractiv.de/…/umweltministerien-und-eu-parlame…/
[20] https://www.spiegel.de/…/corona-krise-deutscher-eu-botschaf…
[21] https://www.mandelbaum.at/buch.php?id=962

Original „Mehr Apokalypse wagen“ in Telepolis 24.04.2020. Tradução de Boaventura Antunes

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