Marx é que está a dar, no trabalho, no desporto e a brincar
Mittwoch, 30. Mai 2018O actual jubileu de Marx revela sobretudo uma coisa: o crescente conservadorismo duma esquerda que se adapta cada vez mais ao reaccionário espÃrito do tempo
Finalmente, olhando para o século XIX, a esquerda parece experimentar alguma relevância pública, pelo menos a curto prazo. Karl Marx teria 200 anos – e por isso todos os média relevantes, que caso contrário legitimariam as restrições usuais, vão publicando alguma forma de apreciação.
O falatório em torno Marx, alimentado por um capitalismo tardio em crise, que parece confirmar todos os clichés anticapitalistas dos séculos anteriores, é acompanhado pelas estratégias usuais de domesticação do teórico crÃtico que em tais ocasiões costuma ter saÃda no mainstream. O destaque é dado ao biográfico, ao „ser humano“ Marx, como na produção da ZDF sobre Karl Marx, que caracterizou o autor da Ideologia Alemã (1) como um „profeta alemão“ – e isto em pleno tempo de populismo direitista. Nesse docudrama pode saber-se muito sobre a famÃlia, sobre as suas preocupações com o dinheiro, as mortes e a „permanente acusação de que Marx teve mais cuidado com os seus estudos e com a polÃtica do que com os seus familiares“, como se diz numa recensão. (2) Mas a obra de Marx – justamente a obra que fez dele um teórico famoso – foi „muito negligenciada“ na produção da ZDF.
O Marx aqui ao lado
A tentativa da indústria cultural de „aproximar“ Marx como ser humano do público mediático é, assim, acompanhada por uma desfocagem do conteúdo da sua teoria, de modo que quase qualquer um possa tomar o comboio de Marx. Na maioria dos casos, as referências a algo de desigualdade social, globalização ou crises do capitalismo bastam para participar no falatório mediático. Assim que é feita essa referência positiva formal a Marx, hoje em dia – onde curtos vÃdeos do YouTube (3) substituem o laborioso trabalho textual nos originais – praticamente tudo é possÃvel.
Até mesmo o SPD pretende agora ter redescoberto Marx, que, segundo Andrea Nahles, teria visto „a necessidade de uma polÃtica democrática de melhoria gradual das condições de vida“. (4) O „comunismo“, na época da Guerra Fria, apenas teria obscurecido esse suposto reconhecimento do autor do Manifesto Comunista, tal é o discurso orwelliano da marxista do SPD, que também afirmou num Tweet (5) que Marx teria marcado o SPD, partido de Hartz IV, „como nenhum outro“.
Muito mais à esquerda do que o SPD (e de grande parte do Partido da Esquerda, Linkspartei) está actualmente a Igreja Católica do Papa Francisco, que – ao contrário de Nahles ou de Lafontaine – consegue formular, pelo menos, uma crÃtica razoavelmente útil do capitalismo. (6) Consequentemente, parecia ser apenas uma troca de nomes com o ateu militante („a religião como o ópio do povo“), o facto de que o Cardeal Reinhard Marx estivesse predestinado a louvar, em entrevista a um jornal, o seu homónimo, como „analista perspicaz do capitalismo“ – e ao mesmo tempo a publicitar a doutrina social da Igreja Católica, que „nunca terá negado a análise marxista do capitalismo nem os riscos que dele surgem“. (7)
E o FDP também reconhece Karl Marx como o grande pensador liberal que continua muito actual. (8) Em entrevista a um jornal, o polÃtico do FDP Kubicki declarou que gostava de Marx por causa da sua inclinação para o comércio livre. De acordo com a eminência do FDP, Marx votaria hoje „por acordos de comércio livre, como o CETA“. No entanto, Kubicki esquivou-se de conceder postumamente a Karl Marx a qualidade de membro do FDP: „Isso seria um pouco exagerado“.