A ÚLTIMA CRISE DO EURO NA EUROPA?

Tomasz Konicz
02 de Abril de 2020

O colapso económico que acompanha a luta contra a pandemia está a reabrir as contradições nacionais na Europa – e ameaça rebentar completamente a União Europeia já em erosão.

A situação na Europa, na véspera do próximo grande surto de crise, foi evidenciada por episódios ocorridos há cerca de uma semana. Os assaltos de estrada feitos por Estados, que eram comuns início da era moderna, parecem estar novamente em ascensão: a Polónia e a República Checa confiscaram máscaras respiratórias e ventiladores destinados à Itália.
A Alemanha também agiu de forma semelhante, bloqueando na fronteira uma remessa de 830.000 máscaras cirúrgicas, tendo depois declarado, após intervenções de diplomatas italianos, que já não era possível encontrar o equipamento médico. Mais de 19 milhões de máscaras de protecção terão sido bloqueadas pelos queridos vizinhos europeus da Itália nas últimas semanas. Desde o início da pandemia, o mercado interno europeu, o projecto central da UE, tem sido efectivamente minado, dominando o nacionalismo estúpido e o regionalismo mesquinho.


Se com as máscaras respiratórias as coisas já estão tão mal em termos da solidariedade europeia, que é tão popular nos sermões dominicais, o que dizer do dinheiro?
As crescentes tensões entre os Estados do euro causadas pela crise já eclodiram completamente na última quinta-feira, quando, durante uma cimeira europeia por vídeo, houve confrontos ferozes entre a chanceler Angela Merkel e os chefes de governo dos Estados do sul do euro – especialmente Itália e Espanha.
As antigas linhas de frente da crise do euro, nas quais Berlim forçou a periferia sul da zona monetária a envolver-se num discurso absurdo de austeridade, estão mais uma vez a emergir claramente – especialmente porque o já gaguejante motor franco-alemão da Europa ameaça desintegrar-se definitivamente. O presidente da França, Macron, parece estar a desempenhar um papel de liderança na formação de uma Europa que se opõe à „Europa alemã“, em cuja formação Schäuble desempenhou um papel decisivo após a crise do euro.

„Coronabonds“: Macron do lado da Itália

Macron manifestou em várias ocasiões publicamente o seu claro apoio à Itália e apelou a Berlim para mostrar mais solidariedade europeia na actual crise, em contraste com as tentativas dos últimos anos para construir um eixo Berlim-Paris estável.
No período que antecedeu a „videoconferência“ dos chefes de Estado europeus, Macron assinou uma declaração de nove Estados da zona euro, apelando à introdução de obrigações europeias conjuntas, as chamadas coronabonds, tendo em conta a dramática recessão económica.
Não são apenas os países do sul do euro que estão agora a reviver a ideia de eurobonds, que já tinha sido contestada durante a crise do euro. Além da França, o apelo também foi assinado pela Itália, Espanha, Portugal, Bélgica, Irlanda, Luxemburgo, Grécia e Eslovénia. Durante a acalorada conferência de quinta-feira, que esteve à beira do fracasso sem uma declaração final, diz-se mesmo que o chefe de Estado francês alertou para a desintegração da UE.
Durante a conferência, os chefes de governo da Itália e da Espanha, em particular, terão apelado à introdução de obrigações europeias. Estas iniciativas foram mais uma vez bloqueadas por Merkel. A chanceler rejeitou claramente as coronabonds, com o apoio da Áustria e da Holanda.
Em vez disso, Berlim remeteu os países particularmente atingidos pela pandemia para o „fundo de resgate“ europeu do Mecanismo Europeu de Estabilidade, ESM, que poderia disponibilizar cerca de 410 mil milhões de euros para empréstimos de crise. O problema com o ESM, porém, é que ele é um instrumento neoliberal moldado em grande parte por Berlim, sendo os empréstimos concedidos apenas contra „condições estritas“, como diz o Zeit-Online, ou seja, apenas se forem implementadas medidas de austeridade. Merkel acabou por sugerir ao Sul da Europa que, na crise actual, historicamente sem precedentes, eles deveriam, mais uma vez, enveredar pela austeridade.
A controversa conferência de quinta-feira terminou com um adiamento da decisão correspondente. Dentro de duas semanas, um grupo de trabalho deverá elaborar propostas para combater a crise económica, „levando em conta a natureza sem precedentes do choque da Covid-19 que está a afectar todos os nossos países“, disse a declaração final.
A introdução de Eurobonds – desta vez sob a forma de coronabonds – está a ser bloqueada por Berlim porque reduziria substancialmente o peso dos juros na periferia sul da zona euro no empréstimo astronómico que está agora iminente.
A boa solvabilidade do centro da zona do euro seria assim estendida à sua periferia. Ao mesmo tempo, porém, isso tornaria mais caro o endividamento maciço do governo federal alemão, já que este decidiu assumir novas dívidas de cerca de 156 mil milhões de euros como parte do pacote da crise alemã.

BCE – A máquina de impressão de dinheiro da Europa

O diferencial, ou seja, a diferença das taxas de juro entre as obrigações alemãs e as do sul da Europa, que nos últimos dias já tinham atingido brevemente um nível de crise crasso de até dois por cento, estabilizar-se-ia assim. Isto é veementemente rejeitado em Berlim e interpretado como uma „comunitarização“ da dívida.
Até agora, a política de crise do governo federal assumiu claramente características nacionais, por exemplo, no caso do fundo de resgate para a indústria alemã, que tem um volume de cerca de 600 mil milhões de euros e se destina principalmente a evitar a compra de empresas estratégicas por capital estrangeiro.
Como Berlim volta a resistir às eurobonds, resta apenas uma instituição que ainda pode manter unida a enferma loja do Euro, despedaçada pelas forças nacionais centrífugas: o BCE, que teve de reduzir o rápido aumento dos juros na periferia sul da zona euro, aumentando maciçamente as suas compras de obrigações.
Em meados de Março, a chefe francesa do BCE, Christine Lagarde, lançou um programa de compra de emergência pandémica (PEPP) de 750 mil milhões de euros para reduzir o já crescente peso dos juros na periferia sul da zona euro, e evitar uma escalada da situação tensa nos mercados financeiros.
Até ao final de 2020, o Banco Central Europeu irá comprar obrigações no valor de cerca de 100 mil milhões de euros por mês, a fim de proporcionar aos mercados liquidez adicional, seguindo o exemplo da Reserva Federal dos EUA.
Isto é, em última análise, uma consequência da constelação de poder correspondente na Europa, como também foi o caso durante a crise do euro. O bloqueio alemão de ajuda financeira directa ou euro-obrigações para a periferia sul é compensado pelo fluxo de dinheiro do BCE, que mantém baixos os encargos com juros destes países em crise.
Através dos mercados financeiros, o BCE fornece, assim, de facto, financiamento aos Estados – proibido pela legislação da UE – para evitar que a crise se agrave. Assim, Berlim pode alegar não permitir que as dívidas sejam „comunitarizadas“, enquanto as máquinas de impressão de dinheiro em Frankfurt têm de funcionar sem parar, a fim de manter esta ilusão alemã na conversa de café.
O BCE já praticou diligentemente estas compras de obrigações de dívida pública durante a crise do euro – caso contrário, a área monetária europeia teria deixado de existir há muito tempo. Os guardiões da moeda europeia, por exemplo, detêm obrigações italianas no valor de 370 mil milhões de euros, o que representa cerca de 18% do volume total das obrigações italianas.
Outro factor que facilita o combate à crise na periferia sul da Europa é o facto de, desta vez, o centro também ser afectado. Com a nova dívida de Berlim, o travão da dívida de Schäubler também teve de ser suspenso, o que também permitiu suspender o Pacto de Estabilidade Europeu, para que os países do Euro pudessem agora enfrentar as consequências económicas da pandemia através de um aumento dos empréstimos – se o BCE continuar a bombear suficiente dinheiro acabado de emitir para manter as taxas de juro baixas.
A Espanha, por exemplo, quer contrariar a ameaça de colapso económico com um pacote de ajuda de 200 mil milhões – muito trabalho para que o BCE mantenha as taxas de juro baixas.

Contexto da crise: „V“ vs. „L”

A enorme dívida pública, que agora tem de ser assumida por quase todos os países nos centros do sistema mundial, é o resultado da esperança de uma rápida recuperação económica após o fim da pandemia.
O enfermo sistema económico capitalista, com sua compulsão de valorizar e crescer, deve, portanto, receber respiração artificial durante o período de quarentena, por assim dizer, até que as restrições sejam levantadas e conglomerados empresariais, empresas, etc., mantidos vivos com o dinheiro do Estado, possam retomar o processo de valorização de forma independente. Numa curva de ciclo económico, isto seria expresso como um „V“, ou seja, uma quebra acentuada, mas curta, que seria ultrapassada pelo aumento dos gastos públicos.
Este cálculo só pode funcionar se o controle da pandemia não for mantido por muito tempo, já que em algum momento a solvência até mesmo dos Estados dos centros sofrerá cada vez mais – até a ameaça de desvalorização. É por isso que a pressão sobre os assalariados já está a aumentar para se sacrificarem pela economia e voltarem a trabalhar apesar da pandemia, a fim de reiniciar o irracional processo de valorização do capital, do qual dependem todas as sociedades capitalistas.
Sem essas intervenções estatais, que são características das crises capitalistas e desta vez ultrapassam todas as anteriores pelas suas dimensões, existe a ameaça de uma recessão económica que não leva a uma recuperação posterior. A curva económica tomaria a forma de um „L“, como o conhecemos dos Estados que não se recuperaram após o último surto de crise em 2008 – por exemplo, a Grécia, que foi devastada por Schäuble.
Por esta razão, todos os Estados do euro estão a tentar, no âmbito das suas possibilidades, criar estímulos económicos e pacotes de ajuda para a „economia“ a fim de salvar as suas partes mais importantes durante o período pandémico, de modo a que, após o fim da pandemia, continue a haver indústria ou produção de bens, o que poderá provocar uma recuperação da economia.
Do ponto de vista do centro europeu, porém, tal crise é também uma boa maneira de se livrar da irritante concorrência da periferia, negando-lhe a ajuda financeira que se pode conceder a si mesmo com base numa boa solvência.

O trabalho de Schäuble e a contribuição do Coronavírus

O facto de não se tratar actualmente de uma simples repetição da crise do euro, mas sim de um impulso renovado e mais forte de uma histórica crise sistémica, torna-se claro a partir das dimensões das distorções socioeconómicas que já se encontram plenamente em evidência. No sul da Itália já existe a ameaça de agitação, devido à situação social desesperada de muitas pessoas, de modo que a policia têm que proteger os supermercados de saques.
Em muitos Estados do euro existe a ameaça de quedas de dois dígitos na produção económica. Mesmo no centro da zona euro, na República Federal da Alemanha, espera-se uma queda do PIB de sete a 20 por cento, segundo o Instituto Ifo.
Como reagirão todos esses países da periferia da zona euro a esta monstruosa dinâmica de crise, que Schäuble ofuscou na última década com um ditame de poupança desastroso e colossalmente falhado, que levou a uma profunda ruptura das estruturas sociais desses países?
Na Grécia, que nunca recuperou realmente da cura drástica com que foi pirateada, existe agora a ameaça de falências em massa no único ramo da economia que resta, a indústria do turismo. Ao mesmo tempo, após a administração de 14 „pactos de poupança“ de Berlim entre 2010 e 2017, o maltratado país do Mediterrâneo está endividado em cerca de 175 por cento da sua produção económica, que diminuiu em cerca de um terço durante a crise.
A Itália, que permaneceu em estagnação económica na última década, tem uma montanha de dívidas que ascende a 130 por cento da sua produção económica, que agora se espera que diminua consideravelmente. Se o produto interno bruto ao sul dos Alpes de facto diminuir em cerca de 11,6%, como previsto pela Goldman Sachs, por exemplo, essa dívida já atingiria 150% do PIB: Isso seria de proporções gregas.
A Espanha, cujo governo de direita nas legislaturas anteriores tinha feito todos os esforços para cumprir os requisitos de poupança de Berlim, tem uma taxa de desemprego de 13% no final da fase ascendente global, que foi apoiada pela bolha de liquidez agora em colapso, com o desemprego juvenil em cerca de 30%. O peso da dívida da Espanha é de cerca de 100% do produto económico.

Conclusão:
Sem um apoio financeiro abrangente do centro da zona euro, a periferia da zona monetária está simplesmente ameaçada de colapso socioeconómico dentro de poucos meses – e de colapso está ameaçada a zona monetária. As montanhas de dívidas que crescem constantemente na UE em resultado da crise ameaçam enterrar a „casa europeia“ sob si mesma.
Esta é realmente a decisão que a Chanceler Merkel agora tem de tomar nas próximas semanas. Quanto vale a continuação da existência da Zona Euro em Berlim?
É um „momento de verdade“ para Merkel titulam, por exemplo, jornais norte-americanos, em que ela tem de decidir se a sua retórica europeia ainda deve ter alguma substância. Sem exagero, é claro que as próximas semanas determinarão a sobrevivência da zona euro.

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